Dirigia como um louco o seu automóvel
novo com câmbio automático de 06 marchas. O sol escondia-se entre montanhas que
ele conhecia bem, pois gostava de tracking e coisas do tipo. A noite acontecia
de repente. E Lucevan Le Stelle, de
Puccini, apunhalava o espaço interno do veículo. Alta velocidade pela estrada
com pouca iluminação, igual a tantas outras a mercê de deus, mesmo
privatizadas. E aquela insuportável e maravilhosa dor dava o tom da grandeza de
sentir-se vivo, mesmo na dolorosa satisfação da penumbra. A noite aconteceu
como um cobertor feito de crochê, buracos aos milhares como pontos de luz em
meio à escuridão.
Leoncavallo fez a magnitude do
som entrar em níveis mais densos e teatrais, um palco e um picadeiro, uma fantasia
e um amargor saborosos, como chocolate. O véu que cobria a iluminação era quase
uma Isis, um elemental sétimo ciclo. Ele compreendeu tudo isso enquanto o carro
atingia a inevitável marca dos 140 km/h. Pourquoi
Me Reveiller invadiu sem pedir licença. Quando 150 virou o número do
contraste absoluto e da comunhão entre o paradoxo do sentir e transbordar e da
solidão, que são espaços vazios, foi que percebeu o óbvio incontestável: a
amálgama sofrida era também uma forma de viver. Paradoxal era a vida de todos
nós. O motor não fez um rouco gostoso e cilindrado, pois a maneira automática
não deixava termo para a amabilidade automobilística, mas ele foi capaz de
ouvir o barulho, mesmo que instintivo, da desaceleração.
Abriu a porta do automóvel
tinindo de novo e, ainda no meio da estrada, tão solitária quanto ele, abriu os
braços e recebeu a luminosa lua em seus braços, lua de brilho solar, logo,
outra amálgama entre o dia e a noite. A luz na escuridão.
E pensando isso tudo, caminhando
em direção ao infinito, de braços abertos, olhos fechados e sorriso nos lábios,
ao respirar profundamente, não notou o inconteste caminhão que vinha na direção
contrária e, contrário à questão romântica da vida e, talvez, descendente
daqueles Realistas de séculos passados, arremessou-o séculos à frente, numa
atitude equivalente a queima de todas as harpas e violinos da filarmônica do
Éden e, num 13 de julho, mundialmente conhecido, dando lugar a guitarras
alcoolizadas e baterias rufando a felicidade clandestina e lispectoriana do mundo
e dos ombros drummondianos que o suportam, mas sem perder a paixão e a atitude
de mandar tudo, quando na adversidade, para a casa do caralho.
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