sexta-feira, 28 de junho de 2013

"A saudade é o museu do amor"




"A primeira pergunta que me fiz foi: “Se dediquei minha vida inteira a alegrar as pessoas, por que estão tirando minha maior alegria?”

Eu era completamente alucinado pelo meu filho. Fiz vários vídeos, dei banho no Gabriel desde o primeiro dia. Na pracinha, eu era o único pai no meio das babás. Foram dois anos e dez meses. Enquanto ele viveu, fui muito feliz. Era como se eu soubesse de alguma forma que tinha que aproveitá-lo ao máximo.

Ao voltar do enterro, comecei a colocar todas as coisas do Gabriel em caixas, malas e guardei na parte de cima do armário. Eu estava atônito. No dia seguinte, urrei, de a vizinhança inteira ouvir, chorei de os vizinhos baterem na porta.

Meu empresário me disse que não haveria problema se eu quisesse parar por seis meses ou um ano. Pensei por dois dias e disse: “Não cancela nada”. O palco sempre curou minhas feridas, separações, brigas. Sabia que ele tinha esse poder para mim. E os fãs seguraram cartazes dizendo “Força, Bruno”. O primeiro show dediquei ao meu filho. A partir do terceiro, decidi que não iria mais falar dele no palco. Não queria que ninguém fosse ao show sentindo pena de mim. Eu sou público, mas a minha dor não precisa ser. Por isso mesmo, não quis compor um “Tears in heaven” (música de Eric Clapton, em homenagem ao filho, morto em 1992).

O primeiro ano é insuportável. São todas as datas sem ele: réveillon, Dia dos Pais, das Crianças, meu aniversário e o dele, o carnaval sem fantasia, a Páscoa, a festa junina sem roupa caipira, Natal. O dia 17 de junho ainda é estranho. Mas cheguei à conclusão de que o dia 17 também se tornou um aniversário dele. É o dia em que o Gabriel nasceu do outro lado. Fica mais leve pensar assim. Quanto aos brinquedos do meu filho, deixei um em cada cidade que fui. Nos shows, pedia que as pessoas também doassem. Em vez de dar tudo para um um único lar, fizemos uma corrente do bem e multiplicamos os brinquedos.


Antes de entrar no palco, converso um pouco com ele. Às vezes o vejo grande, na minha frente, como se estivesse numa tela gigantesca. Em outras, vejo-o como se fosse uma estrelinha. No final, agradeço ao público e dou um beijo para cima, em direção ao céu. Se o show está lotado ou não, tanto faz. Ele está lá, de cadeira cativa, é o que importa.

Nesses dois anos, aconteceu só uma vez de titubear no palco. Conversei com o Gabriel enquanto a banda continuava a tocar. Disse: “Ajuda o papai, que hoje está difícil”. Pode parecer maluquice, mas são estas conversas que me ajudam a seguir em frente.

Não quis contatos com o além. Não que eu não acredite ou desdenhe, pelo contrário. Acho que eles estão nos acompanhando o tempo todo. Mas não fiquei curioso. Entendi que, quanto mais fizesse do meu tempo a continuação de algo que não está mais aqui, mais triste eu ficaria. Se as pessoas estão bem em outro lugar, vão querer que nós também estejamos bem aqui.

Logo no início, assimilei que essa dor não era só minha. Todo dia, se você olha o noticiário, vê isso acontecendo. Quando teve a tragédia de Santa Maria, passei três dias com ânsia de choro. É como se você passasse por aquilo de novo. As pessoas sofrem por imaginar a situação. Eu sofro porque conheço a dor. Ela nunca vai embora, só está ali adormecida. Assim como me dói a demora do processo judicial. Gabriel não morreu de um acidente. Ele foi vítima de uma irresponsabilidade!

Entendi que só o amor salva. Amor das pessoas, pai, mãe, irmão, da minha mulher, da banda. Não é pena, não é compaixão. É paixão. Quando você se sente realmente amado, entende que não está sozinho. Há uma coisa fundamental: eu não estaria aqui se não fosse pela Izabella, minha mulher. É como se ela tivesse entrado na minha vida para me amparar na dor que eu iria passar.

Eu nunca vou entender o que aconteceu. Neste momento só me cabe aceitar. É uma sensação estranha porque, de uma hora para outra, você se pergunta: “O que eu faço com todo esse amor que tinha pra dar para ele?” Com o tempo, vi que poderia demonstrá-lo em outros gestos.

A saudade é o museu do amor. Sinto que ele pegou um atalho e está lá na frente me esperando. Um dia me encontro com ele. Sinto muito a falta de um futuro que não aconteceu. Mas vou ter outros filhos, e vai ser bonitinho dizer para eles: Vocês não sabem, mas têm um anjinho da guarda”.

Bruno é vocalista
da banda Biquini Cavadão.