E ele estava recebendo a sua dose
de torpor e, coincidentemente, foi premiado com a verdadeira paixão da sua
vida, ali, contorcendo músculos e absorvendo o som, a pressão, o suor. Ele
estava feliz com a possibilidade de promoção no trabalho, de carta de crédito
para a tão sonhada casa própria, o contrato renovado da casa de praia na Região
dos Lagos, e agora, depois de tudo e, principalmente de todos, estava deitado,
relaxando os músculos e o espírito com o parceiro certo, aquele que sempre
injetou força e equilíbrio no seu cotidiano.
E
ele estava ali quando, ainda transpirando e falando alguma besteira sobre o
vinho e o fundi de queijo ao alcance das mãos, os estilhaços da primeira janela
perto da porta da sala transformaram-se em som e terror.
Pensou
estar na Alemanha nazista, na Itália fascista, no Brasil de Geisel ou no
Afeganistão, mas estava em pleno século 21 sendo vítima de um ódio vestido de
moral, de uma ignorância disfarçada de religare.
Por sorte o coquetel Molotov não funcionou como o esperado, já que a garrafa
resistiu ao impacto na parede e no chão e não quebrou. Mesmo assim, gritos de viado e filho-da-puta cortaram os seus ouvidos.
Uma
segunda janela, esta perto da cozinha, também fora quebrada. Felizmente, o
monstro atirara um pedaço pequeno de paralelepípedo.
Uma
marcha foi organizada uma semana depois do ocorrido. Não por sua causa, mas
também por causa disso e dos inúmeros casos de violência, intolerância,
preconceitos. “Meu imposto é reduzido porque sou gay?”, declarava em frente à
prefeitura. “Se não tenho direitos e se a constituição não me contempla, então,
só sou cidadão na hora de pagar meus impostos?”, perguntava sempre que motivado
ao assunto. Milhares de pessoas caminharam junto a ele.
Mas
não houve apoio maciço dos deputados na época. Muito pelo contrário. Muitos,
vendo uma oportunidade de angariar votos na ignorância, na escuridão, optaram
por defender coisas subjetivas como a “sagrada família”, restringindo a família
ao homem (alfa) casado com uma mulher (submissa), aos princípios morais, mesmo
os alicerçados na imoralidade e na violência, e coisas do tipo. Alguns, graças
a esse oportunismo, viraram senadores. E foram dias de lâmpadas nos rostos de
um suposto adolescente gay, chutes e pontapés em boate, opressão e orgia
cristã.
Mas
as passeatas seguiram e outros representantes e líderes surgiram, deputados
engajados na causa, políticos assumidamente gays, moralmente dignos, lindamente
lindos. O país estava mudando junto com o mundo. Outras e novas aglomerações
aconteceram. Preconceito e corrupção passaram a não ser tolerados. Sacudiram
alguma coisa e foi como remover uma casa de marimbondo.
E
como o voto é democrático, elegeram-se todos, os felizes defensores da
felicidade sagrada e religiosa de uma verdade só, assim como os outros
religiosos e muitos outros que não viam problemas, nem regras para o amor, para
o suor, nem para o casamento.
E
isto foi o melhor dos acontecimentos: os que são contra e os que são a favor,
seja lá do que for caminharam juntos, mesmo na adversidade, e os direitos foram conquistados, pois eram direitos e faziam justiça aos de pouca voz. E todos ganharam. Porque o mundo é de todos e não é de ninguém.
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E, como escreve a Vais:
O Som!!
Hoje é aniversário do Mestre Francisco. Parabéns, Chico! Por tudo!
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