quarta-feira, 19 de junho de 2013

O amor nos tempos da democracia


E ele estava recebendo a sua dose de torpor e, coincidentemente, foi premiado com a verdadeira paixão da sua vida, ali, contorcendo músculos e absorvendo o som, a pressão, o suor. Ele estava feliz com a possibilidade de promoção no trabalho, de carta de crédito para a tão sonhada casa própria, o contrato renovado da casa de praia na Região dos Lagos, e agora, depois de tudo e, principalmente de todos, estava deitado, relaxando os músculos e o espírito com o parceiro certo, aquele que sempre injetou força e equilíbrio no seu cotidiano.
                E ele estava ali quando, ainda transpirando e falando alguma besteira sobre o vinho e o fundi de queijo ao alcance das mãos, os estilhaços da primeira janela perto da porta da sala transformaram-se em som e terror.
              Pensou estar na Alemanha nazista, na Itália fascista, no Brasil de Geisel ou no Afeganistão, mas estava em pleno século 21 sendo vítima de um ódio vestido de moral, de uma ignorância disfarçada de religare. Por sorte o coquetel Molotov não funcionou como o esperado, já que a garrafa resistiu ao impacto na parede e no chão e não quebrou. Mesmo assim, gritos de viado e filho-da-puta cortaram os seus ouvidos.
            Uma segunda janela, esta perto da cozinha, também fora quebrada. Felizmente, o monstro atirara um pedaço pequeno de paralelepípedo.
              Uma marcha foi organizada uma semana depois do ocorrido. Não por sua causa, mas também por causa disso e dos inúmeros casos de violência, intolerância, preconceitos. “Meu imposto é reduzido porque sou gay?”, declarava em frente à prefeitura. “Se não tenho direitos e se a constituição não me contempla, então, só sou cidadão na hora de pagar meus impostos?”, perguntava sempre que motivado ao assunto. Milhares de pessoas caminharam junto a ele.
                Mas não houve apoio maciço dos deputados na época. Muito pelo contrário. Muitos, vendo uma oportunidade de angariar votos na ignorância, na escuridão, optaram por defender coisas subjetivas como a “sagrada família”, restringindo a família ao homem (alfa) casado com uma mulher (submissa), aos princípios morais, mesmo os alicerçados na imoralidade e na violência, e coisas do tipo. Alguns, graças a esse oportunismo, viraram senadores. E foram dias de lâmpadas nos rostos de um suposto adolescente gay, chutes e pontapés em boate, opressão e orgia cristã.
                Mas as passeatas seguiram e outros representantes e líderes surgiram, deputados engajados na causa, políticos assumidamente gays, moralmente dignos, lindamente lindos. O país estava mudando junto com o mundo. Outras e novas aglomerações aconteceram. Preconceito e corrupção passaram a não ser tolerados. Sacudiram alguma coisa e foi como remover uma casa de marimbondo.
                E como o voto é democrático, elegeram-se todos, os felizes defensores da felicidade sagrada e religiosa de uma verdade só, assim como os outros religiosos e muitos outros que não viam problemas, nem regras para o amor, para o suor, nem para o casamento.
                E isto foi o melhor dos acontecimentos: os que são contra e os que são a favor, seja lá do que for caminharam juntos, mesmo na adversidade, e os direitos foram conquistados, pois eram direitos e faziam justiça aos de pouca voz. E todos ganharam. Porque o mundo é de todos e não é de ninguém. 


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E, como escreve a Vais:
O Som!!

Hoje é aniversário do Mestre Francisco. Parabéns, Chico! Por tudo!




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