domingo, 31 de março de 2013

Urbana Legio OMnia Vincit



… e tinha essa garota que gostava de Madonna, mas adorava ouvir Legião comigo. Eu tinha emprestado a minha coleção e ela estava quase tão fã quanto eu. E tinha aquela música linda do disco Dois (Quase Sem Querer) que ela havia cantado numa festa de rua e dito que era a nossa música.
            Mas a história da Legião comigo é mais pra trás. Havia um vizinho que escutava a banda direto e cantava junto, aos gritos, pouco se importando se estava afinado ou não. E eu, que tinha quase idade nenhuma, ficava no muro, prestando atenção no ritmo. Porra, eu adorava aquele jeito de tocar e a levada meio sem erudição. Dava vontade de ficar jogado no chão ouvindo, tocando uma bateria imaginária com baquetas igualmente invisíveis.
            Foi esse vizinho que disse uma vez: “porra, se você não curte Legião você esta por fora”. Eu não queria estar por fora e, como ele era bem mais velho que eu, era obviamente uma influência do caralho. Era gerente de uma padaria perto de casa e só usava camisas da Alternativa, uma marca que vendia na antiga Mesbla e que era um sonho dos moleques da Baixada, assim como a Pier, a Company e as calças semi-bag da Philippe Martin que as garotas usavam e deixavam-nas com umas bundas lindíssimas!
            Eu perturbei a minha mãe pra tirar um cartão Mesbla e comprar camisas da Alternativa pra mim. E foi a época do lançamento dAs Quatro Estações, meu primeiro álbum da banda com a primeira música decorada para cantar nas festas sem errar a letra ou ficar com cara de paisagem: Há Tempos!
            Ele gostava de coisas como Eduardo e Mônica, Música Urbana 2, Petróleo do Futuro, Eu era um Lobisomem Juvenil. Eu fui bebendo da fonte, entendendo as coisas, usando Alternativa, mochila da Company; tinha um skate da Street Line, com rolamento blindado e roda Moska, assinava a Fluir e adorava o Dadá, o Pedro Müller, o Jojó de Olivença. Ia pros campeonatos de surf da Alternativa que aconteciam na Barra da Tijuca – minha mãe a tira-colo – e escutava Legião! Porra, era o ápice da pós-modernidade!


           E como ficar indiferente a isso: Luz e sentido e palavra, palavra/É que o coração não pensa/Ontem faltou água/Anteontem faltou luz/Teve torcida gritando/Quando a luz voltou/Não falo como você fala/Mas vejo bem/O que você me diz...//Se o mundo é mesmo/Parecido com o que vejo/Prefiro acreditar/No mundo do meu jeito/E você estava/Esperando voar/Mas como chegar/Até as nuvens/Com os pés no chão...

            Pois é, não dava. Não pra mim. “Todos têm as suas próprias razões...”
            E tinha essa garota que gostava da Madonna, usava um cabelo meio James Dean e fumava pelos cotovelos e sorria um sorriso carnudo e maravilhoso e era um pouco mais velha que eu. Porra, eu tinha que ficar com ela! Como não? Mas a gente só ficou, mesmo, pra valer, de namorar e passar a mão na bunda, foi num show do Cidade Negra, ainda no começo da carreira, com o Ras Bernardo no vocal, cantando a boa música Falar a Verdade, num clube chamado Ideal de Olinda (hoje, um prédio da Prefeitura de Nilópolis – prova contundente de que políticos só fazem merda).
            E depois veio o álbum V que é aquela coisa sobrenatural e estupenda com capa de King Crimson e música de 11 mininutos! Porra, aquilo era “O” disco! A Montanha Mágica, O Teatro dos Vampiros, Lage D`or, Metal Contra as Nuvens. Todos duvidavam de que a banda fosse lançar algo relevante depois do sucesso do quarto trabalho. Cara, o álbum V é foda. O último grande trabalho da Legião.
            Meu vizinho torcia o nariz para o V. Para ele, a Legião acabara no Quatro Estações. Eu acho que era mais a perda da identidade de uma geração inteira. Os anos 80 chegavam ao final, assim como a Company, a Alternativa, a Pier, o surf na Barra, os ternos com ombreira, a rebeldia pós-ditadura. O pseudo-punk de Brasília se transformava em outra coisa e o resto do país descobria outros ritmos musicais.
            Não, eu já não estava mais com a garota do cabelo de James Dean e a turma começava a casar, morrer, sumir, crescer.
            E Eu, bem, eu entrei numa banda que gostava de Hootie and the Blowfish... Mas, claro, isso fica pra depois. Por enquanto, "ouça no volume máximo"!




9 comentários:

Vais disse...

Ei, Professor,
legal, curti, moço :)

E da Legião, as quatro estações é meu preferido, mas das canções a que mais gosto é Andrea Dória, depois vem esta do lobisomem juvenil


grande abraço

Marcelo F. Carvalho disse...

Vais, as Quatro Estações é phodástico! Tem Há Tempos, Eu Era um Lobisobem, Sete Cidades, Se Fiquei Esperando...! Não tem comparação.
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Acho o V (o meu melhor) por causa do Pink Floyd que eu amava (e ainda escuto pra cacete!) e porque era um álbum difícil. Acho de uma puta superação, afinal, quem ia imaginar um disco daqueles depois do estrondo que foi o quarto? E tem "A Montanha Mágica"! Que eu amo de paixão (acredita que estou lendo Thomas Mann neste exato momento?!). Além, acho este o agravante de maior relevância, combinar com o meu momento de crescimento. O disco V foi lançado quando eu tinha 14 anos! Ou seja, em pleno desenvolvimento de tudo (sexual, intelectual...)!
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Mas todos os outros têm a sua importância. Acho o Dois uma obra lindíssima e o Primeiro, assim como o primeiro do Barão, algo verdadeiro, adolescente e cru, como deveria ser, mesmo.
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Abraço forte!

Marcelo F. Carvalho disse...

* Lobisomem

nevesrn disse...

Cara! Por incrível que pareça estava ouvindo Maria Bacana, quando vi seu texto, você lembra disso também. Uma banda que tinha tudo pra dar certo mas não deu! Subiram à cabeça! Bom mas voltando a Legião, pô vivi intensamente essa época, as marcas, inclusive o show do maracanãzinho era alternativa nativa. Bom que curtimos um pedacinho disso juntos.
Mas também gosto até antes do disco quatro estações.Época foda pro nosso rock, depois do quatro foram só letras bonitas.

Marcelo F. Carvalho disse...

E a banda que tocava Hootie? Só podia ser a sua! Ahahahaha!!! Mas disso eu falo depois!
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Cara, saudades sua!
Saudades de todos!

Marcelo F. Carvalho disse...

Eu tenho Maria Bacana no Ipod! Ahahahha!!! Certamente não são o que poderiam ser!
"Tem dias que a vida parece coca-cola sem gás!"

Vais disse...

que bonito, que muito bonito

grácias, querido Professor Marcelo

abração

sorte disse...

cara.. muito bom.o texto... acho que todos.. que viveram essa época... dos anos 80 puderam de alguma forma vivenciar. tudo isso.. da marca alternativa.. as canções da legião... eu daqui de fortaleza... também.. fui bastante influenciado... pelo rock.. do grande poeta renato... um forte abraço as tdos.. da geração coca-cola..kkk lc. lemos

Marcelo F. Carvalho disse...

Lemos, obrigado pelo comentário. Certamente vivemos períodos maravilhosos.
Abraço forte!