quarta-feira, 18 de maio de 2011

A imprensa marrom e a divulgação virulenta

Esta é uma estória de uma imprensa que adora falar (escrever ou urinar) a verdade, nada além da verdade, custe o que custar, mas que, às vezes...

NOTA PÚBLICA

Livro para adultos não ensina erros

Uma frase retirada da obra Por uma vida melhor, cuja responsabilidade pedagógica é da Ação Educativa, vem gerando enorme repercussão na mídia. A obra é destinada à Educação de Jovens e Adultos, modalidade que, pela primeira vez neste ano, teve a oportunidade de receber livros do Programa Nacional do Livro Didático. Por meio dele, o Ministério da Educação promove a avaliação de dezenas de obras apresentadas por editoras, submete-as à avaliação de especialistas e depois oferece as aprovadas para que secretarias de educação e professores façam suas escolhas.

O trecho que gerou tantas polêmicas faz parte do capítulo “Escrever é diferente de falar”. No tópico denominado “concordância entre palavras”, os autores discutem a existência de variedades do português falado que admitem que substantivo e adjetivo não sejam flexionados para concordar com um artigo no plural. Na mesma página, os autores completam a explanação: “na norma culta, o verbo concorda, ao mesmo tempo, em número (singular – plural) e em pessoa (1ª –2ª – 3ª) com o ser envolvido na ação que ele indica”. Afirmam também: “a norma culta existe tanto na linguagem escrita como na oral, ou seja, quando escrevemos um bilhete a um amigo, podemos ser informais, porém, quando escrevemos um requerimento, por exemplo, devemos ser formais, utilizando a norma culta”.

Pode-se constatar, portanto, que os autores não estão se furtando a ensinar a norma culta, apenas indicam que existem outras variedades diferentes dessa. A abordagem é adequada, pois diversos especialistas em ensino de língua, assim como as orientações oficiais para a área, afirmam que tomar consciência da variante linguística que se usa e entender como a sociedade valoriza desigualmente as diferentes variantes pode ajudar na apropriação da norma culta. Uma escola democrática deve ensinar as regras gramaticais a todos os alunos sem menosprezar a cultura em que estão inseridos e sem destituir a língua que falam de sua gramática, ainda que esta não esteja codificada por escrito nem seja socialmente prestigiada. Defendemos a abordagem da obra por considerar que cabe à escola ensinar regras, mas sua função mais nobre é disseminar conhecimentos científicos e senso crítico, para que as pessoas possam saber por que e quando usá-las.

O debate público é fundamental para promover a qualidade e equidade na educação. É preciso, entretanto, tomar cuidado com a divulgação de matérias com intuitos políticos pouco educativos e afirmações desrespeitosas em relação aos educadores. A Ação Educativa está disposta a promover um debate qualificado que possa efetivamente resultar em democratização da educação e da cultura. Vale lembrar que polêmicas como essa ocupam a imprensa desde que o Modernismo brasileiro em 1922 incorporou a linguagem popular à literatura. Felizmente, desde então, o país mudou bastante. Muitas pessoas tem consciência de que não se deve discriminar ninguém pela forma como fala ou pelo lugar de onde veio. Tais mudanças são possíveis, sem dúvida, porque cada vez mais brasileiros podem ir à escola tanto para aprender regras como parar desenvolver o senso crítico.

Aqui está o link para:

Capítulo do livro na íntegra: http://www.acaoeducativa.org.br/downloads/V6Cap1.pdf


Informações sobre o caso: http://www.acaoeducativa.org.br/downloads/ESCLARECIMENTOS_AE.pdf


4 comentários:

Halem Souza disse...

Marcelo, essa discussão norma "culta" ou "padrão" X usos populares da língua (os mais diversos) não termina nunca, não é mesmo?

Destaquei um trecho de sua postagem, que comento logo depois:

"Uma escola democrática deve ensinar as regras gramaticais a todos os alunos sem menosprezar a cultura em que estão inseridos e sem destituir a língua que falam de sua gramática, ainda que esta não esteja codificada por escrito nem seja socialmente prestigiada"

Parece ter havido uma certa confusão terminológica (ou eu que não compreendi bem).

Toda língua tem uma gramática (mesmo aquela usada por populações ágrafas ou não letradas), como ficou evidenciado com o gerativismo chomskyano. Sem essas regras combinatórias de expressão seria difícil (na verdade, quase impossível) a entendimento intersubjetivo por meio do idioma.

Muitas vezes, professores conservadores e não atualizados com a Linguistica (além de setores mal-intencionados da imprensa, como você destaca) usam o termo gramática como sinônimo daquilo que elegeram, desejam ou supõem ser a tal "norma culta".

E surge, então, uma pergunta embaraçosa para estes e que evidencia o caráter sociopolítico (e não linguístico) desse "mito da língua padrão": é norma porque é culta, ou é culta porque tornou-se - arbitraria e impositivamente - norma?

Foi bom você ter levantado essa discussão aqui. Ouvi observações desastrosas sobre esse livro, por exemplo, no microdebate Liberdade de Expresão(!), no Jornal da CBN, em que não houve esse cuidado de divulgação mencionado na nota.

Um abraço e perdão pelo comentário extenso.

Marcelo F. Carvalho disse...

Perfeito, professor. E digo mais, uma língua paralisada é uma língua morta (Latim, por exemplo). A nossa é derivada dele (o que, por si só, já implica em mudança, ação, transformação) e, se parece estática por uma !elite! conservadora, na linguagem corporal e na linguagem das ruas, ela cria outras formas (ou outra língua dentro dela mesma). É claro que precisamos ter parâmetros e fazer um esforço para que se mude o mínimo (senão, já viu, né, tudo fica um caos - vide nossos alunos que insistem em realizar redação com termos como vc, tb, vlw...), mas menosprezar a evolução é absurdo. Aliás, bem típico de uma sociedade tradicionalista (no pior sentido que isso possa ter).

Abraço forte!

Loba disse...

Putz, acabei de sair de um blog onde deixei um comentario acreditando que estava defendendo a aprendizagem infantil. Tudo errado!
Não sei se entendi mal ou se o autor do texto que li estava equivocado. A verdade é que, eu sempre soube, não se deve dar palpite sobre o que não se sabe ao certo.
E agora que me inteirei do assunto, vou voltar lá - acho! rs...
Beijo, professor.
Ah, alguns blogs são essenciais! O seu é um deles.

BirdBardo Blogger disse...

Marcelão a mídia marrom e a "elite" não aceita essa idéia de pobre falando bonito, ainda que falem "errado".
Eles querem mais é mobral e be a bá pra dar mais audiência e falar mal do governo...