Memórias póstumas de Brás Cubas* é considerado por muitos o ponto de inflexão na obra de Machado de Assis, momento em que o escritor passa a produzir seus textos mais artisticamente elaborados. De fato, esse romance, publicado em 1881, ao menos do ponto de vista da forma, é estruturado de maneira nada usual, sobretudo se o compararmos a outras obras da ficção nacional da época. As constantes mudanças de ritmo na narrativa - perfeitas para seus capítulos curtos - fazem desse livro o palco ideal para algumas das mais célebres frases criadas por Machado de Assis. Roberto Schwarz (no livro Um mestre na periferia do capitalismo**), ressaltou que
"[...] a narrativa passa do trivial ao metafísico, ou vice-versa, do estrito ao digressivo, da palavra ao sinal (o capítulo à moda shandyana, feito de pontinhos, exclamações a interrogações), da progressão cronológica à marcha ré no tempo, do comercial ao bíblico, do épico ao intimista, do científico à charada, do neoclássico ao naturalista e ao chavão surrado etc. etc.."
O personagem Brás Cubas também é visto como um legítimo representante da parasitária oligarquia brasileira típica do século XIX. E é possível, como provaram Schwarz (no estudo acima mencionado) e outros críticos, fazer uma profunda análise sociológica a partir do romance.
Contudo, penso que Memórias póstumas... não deixa de ser por isso uma sensacional história sobre o egoísmo.
. . . . . .
Durante a leitura desse romance não é difícil constatar: Brás Cubas tem tudo para ser odiável, mas está longe de ser odioso.
A "simpatia" do narrador-personagem decorre, em grande parte, do lugar de onde provém sua narração: o pós-morte, único modo de diminuir sua hipocrisia.
O famoso último capítulo do romance consegue condensar toda a veleidade do protagonista - veleidade esta que proporciona o esquema narrativo da obra - , mas, principalmente, nos expõe seu arraigado egoísmo:
"Este último capítulo é todo de negativas. Não alcancei a celebridade do emplastro, não fui ministro, não fui califa, não conheci o casamento. Verdade é que, ao lado dessas faltas, coube-me a boa fortuna de não comprar o pão com o suor do meu rosto. Mais; não padeci a morte de Dona Plácida, nem a semidemência do Quincas Borba. Somadas umas coisas e outras, qualquer pessoa imaginará que não houve míngua nem sobra, e conseguintemente que saí quite com a vida. E imaginará mal; porque ao chegar a este outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capítulo de negativas: - Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria".
A última frase - concisa, direta e impactante -, entretanto, revela ainda outro elemento: um pessimismo imenso. Porém, julgo que esse pessimismo não é do narrador - um garoto mimado na infância, bon vivant na juventude e um ocioso entediado na maturidade - e sim do próprio autor, Machado de Assis. Criador falando pela boca de sua criação. A miséria de que fala o escritor é a da espécie humana como um todo.
* ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. 14 ed. São Paulo: Ática, 1990 [Série Bom Livro]
** SCHWARZ, Roberto. Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de Assis. 4 ed. São Paulo. Ed. 34, 2000 [Coleção Espírito Crítico]
O famoso último capítulo do romance consegue condensar toda a veleidade do protagonista - veleidade esta que proporciona o esquema narrativo da obra - , mas, principalmente, nos expõe seu arraigado egoísmo:
"Este último capítulo é todo de negativas. Não alcancei a celebridade do emplastro, não fui ministro, não fui califa, não conheci o casamento. Verdade é que, ao lado dessas faltas, coube-me a boa fortuna de não comprar o pão com o suor do meu rosto. Mais; não padeci a morte de Dona Plácida, nem a semidemência do Quincas Borba. Somadas umas coisas e outras, qualquer pessoa imaginará que não houve míngua nem sobra, e conseguintemente que saí quite com a vida. E imaginará mal; porque ao chegar a este outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capítulo de negativas: - Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria".
A última frase - concisa, direta e impactante -, entretanto, revela ainda outro elemento: um pessimismo imenso. Porém, julgo que esse pessimismo não é do narrador - um garoto mimado na infância, bon vivant na juventude e um ocioso entediado na maturidade - e sim do próprio autor, Machado de Assis. Criador falando pela boca de sua criação. A miséria de que fala o escritor é a da espécie humana como um todo.
* ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. 14 ed. São Paulo: Ática, 1990 [Série Bom Livro]
** SCHWARZ, Roberto. Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de Assis. 4 ed. São Paulo. Ed. 34, 2000 [Coleção Espírito Crítico]
3 comentários:
Marcelo, você tem a OBRIGAÇÃO de falar com o Halem para publicar este texto no Algodão.
Eu já tirei uma casquinha dele lá no teoria.
Ele é o nosso colega de cadeira que dedica um blogue com análises literárias phodásticas!
Olá Professor Marcelo,
fazendo boas pescarias, heim?
O Halem, tem as manhas, o professor.
Memórias Póstumas é genial.
abração
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