quarta-feira, 29 de outubro de 2008

ELA NÃO GOSTAVA DE CHICO BUARQUE

Onde andará Mariazinha? Me faço a pergunta, como naquele samba de Ataulfo. Embora não tenha sido o meu primeiro amor. Nem foi um namoro de longa duração, mas que me marcou de uma certa maneira - só me agora me dou conta.
Mariazinha. Talvez o que tenha me atraído primeiramente nela foi o nome. Tinha como certo que era Maria e, como todas as Marias, acrescido de um outro nome - Maria das Graças, por exemplo. E nesse caso seria chamada de Graça, como é comum. Foi quando ela me mostrou a carteira de identidade e lá estava Mariazinha. Pensei no seu batismo, um padre desses ranhetas se indispondo com aquele diminutivo da mãe de Jesus, como se esta fosse uma mulher qualquer. Mariazinha me disse que nunca ouviu nada sobre isso em sua casa. E você gosta do seu nome? Disse que sim.
Lembro hoje do nosso namoro. De uma particularidade, sobretudo: nossos papos pendiam invariavelmente para a música. E a música nos punha em campos opostos. Daí as divergências, mas numa boa. Nada de altercações, sequer levantávamos a voz. Ou melhor, eu às vezes começava a alterar a minha, mas logo era desarmado pela docura de Mariazinha, o seu sorriso, a sua serenidade, a simpatia. Punha, é certo, um pouco de ironia ao me replicar, mas sem me deixar ferido. Como aquele qualé. Ou não é do meu tempo, como se não fôssemos quase da mesma idade.
O ponto central de nossas divergências era Chico Buarque, que estava surgindo, como muitos dos seus coetâneos, naquela metade dos anos 1960. Ela não gostava de Chico. Para ser de todo justo, algumas frases das letras de Chico chegava a apreciar. Mas também citava trechos das letras de Caetano, que, para ela, era superior a Chico, até na composição da música. Não só Caetano, mas também Gil, Torquato e toda a turma da Tropicália.
Como (presumo) todo jovem daqueles anos, ela adorava os Beatles. Eu também gostava, mesmo captando apenas algumas palavras do que eles cantavam, pois não dominava o inglês. Ela, de queixo no chão, estou besta por você gostar dos Beatles. E dos Rolling Stones? E, para provocá-la, destes eu nunca ouvi falar. Nunca ouviu falar? Joãozinho, você é mesmo de doze, até de um tal de Ataulfo Alves você vem falar.
Há poucos dias eu tinha lido um artigo de um crítico de cinema em que ele dizia que não existiam filmes velhos e filmes novos, mas sim filmes ruins e filmes bons, então eu transferi esse conceito para a música. E ela, pra cima de moá, Joãozinho?
Porque tinha o hábito de usar o diminutivo (talvez quem sabe? uma influência do próprio nome). Chamava as amigas e os amigos pelo diminutivo, as coisas, os objetos. Você está muito salientezinho, dizia, com o sorriso radioso, quando a minha mão procurava um dos peitos de Mariazinha. E que peitos! Percebia-se que ela não usava sutiã e isso atiçava mais o meu desejo de tocá-los, não só tocá-los, mas cobrir um deles com a mão e ficar acariciando-o.
Mais se atiçava o meu desejo quando me lembrava de um conto, belíssimo conto, que lera fazia um certo tempo. O personagem, aposentado, solitário e entediado na cidade grande, vê, de repente, aflorar-lhe à memória, um fato ocorrido na sua adolescência. Durou uns raros segundos, mas, só agora se dava conta, o marcara para sempre. A visão dos seios de uma adolescente, mal saída da infância. Ele decide empreender uma viagem de volta à sua cidadezinha para reencontrar a mulher que lhe proporcionara aquele momento ímpar de sua vida.
Não conseguia atinar com aquela resistência de Mariazinha, uma moça de idéias avançadas (está claro que as nossas conversas não se limitavam à música) , uma mulher pra frente, como se dizia naquela época. Uma vez, por brincadeira, mas tentando dar um tom de sinceridade na voz, cheguei ao ponto de lhe prometer que se ela me mostrasse os seios, eu deixaria de gostar do Chico. Ela fez foi soltar uma gaitada.
Teve um dia que ela veio se encontrar comigo ainda mais alegre e brincalhona - diria mesmo feliz. Tinha passado no vestibular. Não tenho certeza, mas acho que nesse dia nem falamos no Chico, a vitória que conquistara, com uma excelente colocação, dominou a conversa. É hoje que vou conseguir, disse pra mim mesmo, vendo-a naquela euforia. Num dado momento, após um beijinho, pedi para ela me mostrar um peito. Mas mesmo naquele estado, ela opôs a firme resistência habitual e ainda me mandou tirar o cavalinho da chuva e acrescentou que eu queria me aproveitar da alegria dela. Mas eu insisti e insisti e insisti, até que ela cedeu, tá bem, seu acesinho. Olhou para um lado, olhou para o outro. Precaução desnecessária, estávamos isolados na pracinha. O coração pinotando, por estar a segundos de ver, finalmente, o meu desejo realizado, observei atentamente Mariazinha pousar um dedo no primeiro botão para retirá-lo da casa. A seguir o segundo botão. Parou, e protegendo com uma mão um peito, com a outra abriu o lado da blusa para exibir o outro peito. Pronto, seu danadinho. E eu vi - vi aquela obra de arte se mostrando pra mim, por um segundo, ou dois, mas valeu a pena. Até me conformei por não poder tocá-lo - isso não, não era só pra olhar? E depois você vai querer mais e mais. E fechou depressa a blusa. Mariazinha malvada.
Depois de terminarmos o namoro, ainda a vi algumas vezes, ela sempre me sorrindo. O tempo foi passando e a via com menos freqüência. Acabei deixando a cidade, pra assumir um emprego num estado do Sul. Voltei há uns dez anos e não vi Mariazinha. Posso até tê-la encontrado e não a reconhecer, nem ela a mim. E como gostaria, penso agora, de revê-la. Mesmo que ela esteja gorda (já naquela época era um pouco gordinha), mesmo que aqueles peitos tenham perdido todo o encanto. Queria rever Mariazinha. Até pra perguntar se ela continua a não gostar do Chico. E ouvir o que ela iria dizer.
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PS: O Moacy foi quem, em seu blogue, recomendou, portanto, um Obrigado é merecido!

3 comentários:

Jens disse...

Oi Marcelo.
PQP! Simplesmente delicioso. Parabéns ao Sobreira pela autoria e a você e ao Moacy pela indicação.
Abraços a todos.

Anônimo disse...

Maravilhoso, Marcelo e fui visitar o Blog do Sobreira, muito bom!!! Você sempre com textos maravilhosos.

Bjim, bom final de semana!

P.S - Gostaria de mandar um "layout" que cria pensando em seu blog pra você. Se tiver interesse mande um end de e-mail par mim te enviar.

Cris disse...

Oi, Marcelo,

Ótimo texto do Sobreira, eu adoro . Mas gostoso mesmo foi teu comentário lá no "Cris" : astral, leve, como eu nunca tinha sentido. Talvez eu esteja assim, vai saber. Amei. Obrigada.

Bj