sexta-feira, 28 de março de 2008

A liberdade

Mais uma vez, Pilar surpreende com a sua boa construção. Há outros contos e poemas em seu blogue igualmente bonitos. É conferir e viciar.
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Quando Apolônia foi libertada, depois de mais de 30 anos de cárcere, não tinha mais forças nem nas pernas nem na crença que a pusessem para correr de encontro à liberdade.

O carcereiro abriu o cadeado, escancarou a porta de ferro e disse "vai, minha filha". Todos olhavam para ela, esperando que saísse em disparada, como um bicho fugindo do caçador. Mas Apolônia não correu. Ela olhou para o carrasco lá no fundo de suas vísceras e implorou para ficar. Estava tão habituada aos seis metros quadrados que temia o mundo lá fora, ameaçador como um engolidor de espadas.

O carcereiro achava que lhe fazia um favor e a pôs para fora a pontapés do mesmo modo como, décadas antes, a havia posto para dentro.

Acostumados à escuridão e secos com passar dos anos, os olhos dela não agüentaram tanta luz de uma só vez e cegaram-se para o mundo.

Todos assistiam ao andar cambaleante da índia cega, encontrada morta dias depois afogada em tanta liberdade.
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Um comentário:

o refúgio disse...

gostei um bocado, a arte então tá linda!
beijos.