terça-feira, 16 de outubro de 2007

O que dizer deste artigo do professor Halem (Quelemém)? A sua análise vai onde as reflexões deveriam estar. Fundamental leitura essa que posto aqui, neste blogue, como que compartilhando das indagações do professor e dando continuidade ao texto postado no dia 15.
Professor Halem é facilmente encontrado aqui:
http://racaodasletras.blogspot.com/

Professores ainda são necessários? - Parte I

Dos muitos mitos gregos, o que mais aprecio é o do titã Prometeu. Como se sabe, Prometeu "rouba" o fogo, segredo dos deuses, e cede-o aos mortais, permitindo-lhes vida mais confortável e com menos temor. Zeus então castiga Prometeu, prendendo-o num monte (o Cáucaso), com correntes forjadas por Hefestos. Uma ave - que, em algumas variantes, é um corvo, em outras, um abutre, nalgumas fala-se em águia - vem todos os dias para comer o fígado do titã. Tempos depois, ele é salvo por Hércules.

Costumo (como centenas de outras pessoas) utilizar esse mito para tentar explicar o que ainda move os trabalhadores da educação, pelo menos, a mais admirável parte deles. Prometeu apanha o fogo (obviamente, uma representação do conhecimento) e simplesmente entrega-o aos outros seres, sabendo que corria riscos e sem esperar nada em troca, nenhuma recompensa. O ato de dividir conhecimento ou ajudar a construí-lo (como preferem os pedagogos modernosos) é, portanto, um ato de generosidade, antes de qualquer outra coisa.

Infelizmente, porém, essa interpretação também faz com que surjam idéias, a meu ver totalmente equivocadas e ainda bastante difundidas, de que a profissão docente é uma "questão de dom", ou que "o magistério equivale ao sacerdócio" ou, ainda, que "a escola é uma extensão do lar" (daí a presença da "tia"). No outro extremo, existem também opiniões altamente agressivas e desrespeitosas: "fulano é professor porque não foi bom o suficiente para arrumar coisa melhor"; ou "escola é lugar de gente incompetente e que não precisa de muita coisa". Dessas duas visões, a primeira, ingenuamente enaltecedora e a segunda, em que há cruel depreciação, nascem as justificativas para a desvalorização salarial e o desprestígio social dos professores.

A postagem iniciada hoje, claro está, foi motivada pela data de ontem (15 de outubro), dia dos professores. Seria difícil não falar sobre essa profissão: parentes, amigos, eu próprio militamos faz tempo na educação pública. Mas não vou aqui discutir as baixas remunerações, assunto mais do que sabido. Basta, por exemplo, ler matéria publicada na Folha de S. Paulo (15/10/2007 - Caderno Cotidiano) na qual se compara o valor médio da hora trabalhada nos diversos estados brasileiros. Pernambuco paga R$ 3,03; ou seja, para uma jornada de 30 horas semanais, um professor com licenciatura plena recebe menos de R$ 400,00. O estado que oferece o melhor salário, Acre, paga algo em torno de R$ 1. 580,00. Acho ainda assim injusto; mas o resultado é que nos últimos dois exames do SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica) o Acre foi o estado com melhor desempenho e crescimento proporcionais. Só que não discutirei isso nesta postagem.

Quando perguntei lá no título se professores ainda são necessários, pensava em outras coisas. Pensava, por exemplo, na quantidade de informação disponível hoje em dia. Qualquer cidadão no mundo, devidamente alfabetizado, tem acesso a mais informação do que qualquer cientista nascido até 1950! Tornamo-nos, por isso, pessoas mais sábias? Bastaria então apenas um imenso esforço de alfabetização e a "batalha" educacional estaria ganha? Dispensar-se-iam todos os outros professores? Fora Geografia, História e Biologia?

Pensava também no fim de algumas profissões e ocupações ou, pelo menos, na drástica diminuição de seus praticantes. Seria o caso dos profissionais do ensino, tal como sempre os concebemos, desde a progressiva massificação da educação escolar, em escala mundial, a partir do fim da 2ª Guerra Mundial?

Mas pensava principalmente num pequeno artigo que li *, meses atrás, assinado pelo escritor britânico Christopher Hitchens.

Sei, sei... Vão me dizer que Hitchens tem algumas opiniões consideradas reacionárias e que ele defendeu a invasão do Iraque. Mas faz parte de um esforço pessoal que venho realizando a tentativa de compreender o argumento alheio antes de qualquer desqualificação ad hominem (e, geralmente, esse tipo de desqualificação é acompanhada de adjetivações simplistas). Mas voltemos ao artigo.

Em Criticar o Islã é fundamentalismo?, Christopher Hitchens utiliza-se dos ataques recebidos pela escritora somali Ayann Hirsi Ali para, mais uma vez, bater-se contra as religiões, já que o autor é ateu - e, nesse ponto, partilhamos a mesma (des)crença. Mas é no início do texto que se encontra o trecho mais adequado ao que estamos discutindo nessa postagem. Escreve ele:

"O poeta inglês W. H. Auden tinha uma capacidade extraordinária de resumir o desespero. Mas de uma forma que, ao mesmo tempo, inspira resistência ao fatalismo. Seu poema mais adorado é provavelmente 1º de setembro de 1939, em que vê a Europa precipitando-se em um abismo de escuridão. Ao refletir sobre essa catástrofe, escreveu o verso: O Iluminismo jogado fora."

Ao indagar (-me) sobre a necessidade da existência dos professores, faço isso porque não tenho dúvidas de que vivemos numa época desesperadora. E precisamos resistir, se não apontando soluções definitivas (se é que essas existem), pelo menos não jogando no lixo os modelos explicativos da Razão, a Literatura de alto nível e o conhecimento formal e científicamente elaborado.

É aí que entram os professores. Volto ao assunto depois.

Prof.: Halem Souza

*Revista Época, 19/03/2007 - (p. 99)

4 comentários:

Lado B disse...

simples: gosto do nome "resumo da chuva"..:-)

Jens disse...

Artigo lúcido. Já tinha lido lá no Halem.
Um abraço.

o refúgio disse...

Excelente artigo, Marcelo.
Beijão.

Fernanda Passos disse...

Excelente texto. Apresenta uma visão clara sobre o assunto e a analogia com o mito de Prometeu é perfeita. O trabalho é árduo, sofremos mutilações diárias e, ainda assim, conseguimos nos regenerar. É claro que os professores são necessários! Não tenho nem dúvida em relação a isso. E informação é informação, pode vir a ser conhecimento e o conhecimento pode vir a ser saber. São categorias relacionadas, mas que só poderão se modificar qualitativamente se houver um exercício, um exercício da reflexão. A informação, meus caros, está no nível mais baixo. É pura fragmentação. O conhecimento é sistematização dessa informação é o saber é a análise crítica do conhecimento que se reflete em nossa ação no mundo. Devemos, sempre, denunciar o descrédito e insignificância dada à profissão.
Abraços.