O simples e óbvio, na maioria das vezes, demora a se mostrar por motivos toscos: como vivemos ocupados com a correria e debruçados em assuntos ditos complexos, deixamos o que está "na cara" de lado. Contudo, quando já não é possível tal rejeição ou desconhecimento, a verdade nos vem como um tapa. Foi isso que tomei lendo o belíssimo texto de Cristovam Buarque publicado em O Globo neste Sábado, 27 de Outubro, caderno de Opinião (Página 7). Vamos a uma parte deste que, para mim, é o que se pode chamar de óbvio-magnífico:
Crematório de cérebros
"É comum o horror diante da brutalidade de dirigentes que queimam livros e prendem ou matam intelectuais como o imperador chinês Shih Huang Ti, que, 210 anos antes de Cristo, decidiu queimar todos os livros e matar todos os estudiosos do seu império. Até hoje, a inquisição horroriza o imaginário da humanidade pelo crime de destruir livros e matar intelectuais durante a Idade Média. Em Berlim, no campus da universidade Humboldt, há um local de reverência indignada no lugar onde Hitler queimou milhares de livros.
Mas não nos horrorizamos quando os livros são impedidos de ser escritos e os jovens de se transformarem em escritores. Indignamo-nos com a queima de livros e a prisão de escritores, mas não com a incineração de cérebros como se faz no Brasil, ao negarmos educação ao povo. Pior do que queimadores de livros, somos incineradores de cérebros que escreveriam livros se tivessem a chance de estudar. A História do Brasil é a história do impedimento de que livros sejam escritos e de que cientistas e intelectuais floresçam.
Quando os livros são queimados, alguns se salvam. Mas, se eles não são escritos, não há o que salvar. Quando escritores se salvam, eles escrevem outros livros, mas, quando não aprendem a ler, queimam-se todos os livros que poderiam escrever.
O Brasil é um crematório de cérebros.
Ao nascer, cada ser humano traz o imenso potencial de um cérebro vivo e virgem. Como um poço de energia a ser ainda construído: pela educação. No Brasil, 13% dos adultos são analfabetos, apenas 35% concluem o ensino médio; destes, só a metade tem uma educação básica com qualidade acima da média. Portanto, oitenta e dois por cento ficam impedidos de escrever e todos os livros que escreveriam são queimados antes de escritos. Como se o Brasil fosse um imenso crematório de inteligência.
As conseqüências são perfeitamente perceptíveis: basta olhar a cara da escola pública no presente para ver a cara do país no futuro. Apesar dos nossos quase 200 milhões de cérebros, o quinto maior potencial intelectual do mundo, o Brasil continuará a ser um país periférico na produção de conhecimento. Da mesma forma como a China regrediu intelectualmente depois de Shih Huang Ti; a Alemanha, com Hitler; a Península Ibérica, com a Inquisição; o Brasil está perdendo o potencial de seus cérebros interrompidos. O resultado já é visível: ineficiência, atraso, violência, desemprego, desigualdade, tolerância com a corrupção e a contravenção. Um país dividido por um muro da desigualdade que separa pobres e ricos - e separado das nações desenvolvidas (...)"
Cristovam Buarque é Professor e Senador
4 comentários:
Olá Professor,
excelente!
Depois de ler pensei muito na situação do micro lá da Escola do Halem e em todas as postagens sobre educação. Sabe, existe por ai, aqui, ali, acolá, até onde o judas perdeu as botas, propostas para se melhorar, se dignificar a vida do bendito semelhante, onde está a dignidade, onde está a vontade?
Marcelo, dá pano pra manga
Abração
Vais, concordo em gênero, número e grau. Outro abraço!
Saudades do professor Darcy Ribeiro.
O grande poblema me parece ser esse, MARCELO: como a Vais disse, há propostas. Não há boa vontade...
Postar um comentário