quinta-feira, 20 de março de 2014

O caminho da reportagem

Por Carlos Brickmann

Os jornais tentam imitar a internet, publicando matérias pequenas, usando cores, tentando ao máximo transformar textos em imagens. Bobagem: a internet é instantânea, tem movimento, é de graça. Jornal impresso competir com internet é suicídio – e, no entanto, quantos seguem este caminho!

Mas a deserção de boa parte dos veículos impressos não fez com que a grande reportagem desaparecesse: ela apenas migrou. Na semana passada, uma matéria antológica explodiu na tela da Rede Globo: elaborada por dois repórteres de primeiríssimo time, Eduardo Faustini e Luiz Cláudio Azevedo, a reportagem investigou as escolas públicas dos estados que tiveram as médias mais baixas no Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (PISA). Os dois repórteres passaram dois meses percorrendo Alagoas, Maranhão e Pernambuco. Mesmo para quem já sabia que a situação era péssima, a reportagem surpreendeu: mostrou escolas sem água de beber, sem banheiro, sem transporte; há lugares em que não há salas de aula para dar aula. Como suprir a falta de banheiro? Alunos e professores vão para o mato. Há crianças que para chegar à escola tomam um caminhão que as leva até a rodovia por onde passa o ônibus escolar – isso se não chover. Se chover, o caminhão não consegue chegar à rodovia. Cadernos? Imagine!

Jaboatão dos Guararapes, a segunda cidade de Pernambuco, fica encostada a Recife. Ali não há papel higiênico, nem proteção contra as chuvas: choveu, a água entra. Vassoura, detergente? Só quando os pais de alunos se cotizam. E em duas escolas da cidade os esgotos estão abertos. Há seis anos é assim.

Numa escola indígena não há onde colocar os alunos. As aulas são dadas debaixo de uma mangueira, quando não chove. Já em Lagoa Grande, Pernambuco, a escola tem mais conforto: dispõe de um ventilador. Um ventilador para a escola inteira, para todas as salas. Em Codó, Maranhão, ventiladores não são o problema: como a escola não tem eletricidade, não haveria como ligá-los. E, como não há luz, as aulas são dadas apenas em dias ensolarados.

Merenda? Há em algumas escolas, mas apenas em parte do ano. Numa das escolas, a fossa aberta fica dentro da cozinha – a cozinha onde se prepara a merenda. E quando não há merenda? Saem os alunos para catar frutas no mato.

De acordo com a reportagem, 44,5% das escolas do país não dispõem da infraestrutura mínima necessária: água, banheiro, esgoto, eletricidade, cozinha. O ideal, claro, seria que a escola tivesse, além do básico, uma biblioteca, uma quadra de esportes, sala dos professores, parque infantil; e acesso à internet, alguns computadores, laboratório de ciências. Segundo a reportagem do Fantástico, só 0,6% das escolas públicas brasileiras dispõem desse tipo de equipamento.

Claro, claro, temos um ministro da Educação, todos os estados têm secretário da Educação, todos os municípios têm secretário da Educação. Só falta mesmo a educação propriamente dita. Exibida a reportagem, uma ou outra coisa foi resolvida – por exemplo, chegaram as cadeiras à escola onde as crianças não tinham onde acomodar-se. Dava para resolver, mas esperaram que alguém denunciasse.

E há quem estranhe o mau desempenho do Brasil no quesito Educação.

É uma reportagem cara, que envolve dois profissionais de primeira linha na reportagem, mais equipes técnicas, mais transporte, alimentação, hospedagem, tudo durante dois meses. Mas, se os meios de comunicação não existem para mostrar como é de verdade o nosso país, para que é que existem?


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