sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

nadas - por Sandra Camurça

Um pé de acácia me espia da janela com seus amarelos de tão verão. Ele me chama pro dia. Parece até que ele sabe que eu sei que preciso ver o dia, o céu, o sol, eu sei… mesmo assim, por enquanto, hiberno em pleno verão. Aprendi a amolecer pedras mas ainda não sei diluir calor em chumaços de algodão. Há quanto tempo, quanto tempo aguento esse suor brabo? Quero um pouco de flores de algodão úmidas, frescas, enroscadas de névoa. Nunca vi isso, são imagens que vêm como um sopro ao desejar algo frio e fofo, algodão e delicado. O vento leva tanta coisa… Quero um vento sopro de algodão que leve, de leve, tudo que me sangra e queima. Quero um vento-gaze, curativo, sem isso só mesmo o cuspe na ferida, a língua que lambe encarnada, o chumaço, a flor… Alcanço a onda azul, um tipo de nuvem que sobe em espiral, orgânica e cremosa, derramo um sopro amanteigado que desfaz a forma, a cor… Vi algodões voando, uma chuva branca fez a tardinha em flocos: sonho de neve no lusco-fusco verão. Já perdi o tempo, todas as horas dormentes, mas guardo os quatro ventos dentro de uma bexiga azul, o azul me diz tanto… Às vezes peço que a bexiga me leve, voo de balão cobalto, baixa mesmo é a pressão do ar derretendo sangue pelas narinas. Vermelho é cor que desbota em rosas, pétalas. Azul quando desbota é céu, mar, aquela velha calça… No Atlântico lesmas marinhas podem ser de diversas cores. Mas são azul-violeta aquelas que amolecem pedras. São tantas, as lesmas, as pedras, as mesmas pedras onde tropecei um dia. Todas elas, lesmas unidas, grudadas em cada pedra iniciam o trabalho de amolecimento, um processo que envolve muco e nódoa, grude e lodo, tudo a favor do amolecimento. Não há mistério, apenas a mesma persistência de quem tira leite de pedra ou a tal “água mole em pedra dura…”. Foi assim que aprendi a grudar em pedras e amolecer sua dureza com muco, suor, saliva. Foi assim também que o calor não me deixou esquecer o algodão em neve, a flor, o azul… No primeiro mês de verão chumaços de algodão evaporam em minhas mãos.



Nenhum comentário: