quinta-feira, 21 de novembro de 2013

1 x 1

Não era para se encontrarem. Quis a vida que fosse assim, num fast food qualquer. Ele com o seu filho e, ela, com o mais velho dos seus três meninos. Ambos eram infelizes à maneira deles, logo, sobravam longos dias de alegria, uns lampejos de tarde eufórica. E assim viviam porque era óbvio e fácil viver no mundo moderno. Ela dedicava-se a educar os filhos e a cuidar da carreira de médica. Ele dedicava-se a ser melancólico e irremediavelmente chato, principalmente quando bebia, e isso era sempre.

Os filhos de ambos pediram hambúrgueres nojentos e gordurosamente gostosos, ele se contentou com fritas e refrigerante que veio com uma quantidade absurda de gelo; ela pediu milk-shake. Ele disse algo básico do tipo “como vai, faz tanto tempo... Você continua a mesma, seu filho é lindo...”, enfim, as coisas simples e seguras de sempre que anulam qualquer gafe. Ela sorriu um sorriso filho-da-puta de encantador e sugeriu que se sentassem na mesma mesa e os filhos na outra, ao lado.

Ele se sentou e iria encaixar outra frase-feita e desnecessária quando recebeu a frase dela primeiro: “Eu não sou feliz, Pedro.” Ele congelou. Jogou uma boa quantidade de refrigerante aguado na boca e esperou pelo prosseguimento da frase. Fez bem.

– Às vezes penso que foi um erro terrível não ter insistido na relação. A verdade é que quando ele sai, eu sei que ele está trepando com outra e... Quer sinceridade? É a parte feliz do meu dia.

“Deve ser difícil”, e isso foi tudo o que conseguiu dizer sobre aquele bálsamo que recebera sem pedir. Ficaram um longo tempo com os olhos nos olhos. “Você deveria ter casado comigo” foi a outra frase que disse enquanto ela fazia alguma força para que o milk-shake chegasse à boca. Fez mal.

Então, a mulher colocou o copo na mesa, entrelaçou as mãos e disse a única coisa que poderia ser dito naquele momento:

– Vai à merda, Pedro.  

“Você vem deprimida, fala de infelicidade, mas não quer ouvir o que tenho pra dizer? Eu não entendo”.

– Eu te disse algo muito importante e a única coisa que você pode afirmar é que deseja me comer. Eu acabo de confessar que estou infeliz e você joga isso. O que quer? Que eu aceite essa frase e foda contigo? Eu disse que estou infeliz, não disse que seria feliz ao seu lado.

“Você não ama o seu marido”.

– Pergunte pro seu orixá, amor só é bom se doer. E eu também não te amo.

Ela desistiu do resto do milk-shake e as crianças não quiseram outra coisa, logo, levantar da mesa e dizer até logo foi o que se seguiu e o que fazia sentido naquele momento. Ele ainda se deixou por mais alguns minutos ali com o filho e com a sua estranha infelicidade. Ela entrou no carro e soube, finalmente, o porquê de não ter casado com Pedro ao responder uma pergunta comum do filho mais velho. “Quem era aquele moço, mamãe”?

– Alguém qu`eu pensava ter um pinto, mas era só fanfarronice.

E dirigiu até a sua casa, fez as malas e carregou um pouco de alguma alegria. Mudou de consultório e de cidade, matriculou os filhos no bairro vizinho, alugou uma casa e teve doses de infelicidade como todo mundo, mas dessa vez, um infelicidade independente, passageira, sem angústia ou discriminação. Uns dias de prazer bobo, outros intensos, com os seus, com os outros e consigo.


E um dia ela sentiu dor. E outras dores depois. E foi feliz ou infeliz à sua maneira. E viveu até deixar de viver.




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