MÍDIA & POLÍTICA
Por Venício A. de Lima em 29/01/2013 na
edição 731
Se o
leitor (a) ainda precisa de alguma comprovação sobre o comportamento partidário
dos jornalões brasileiros, sobretudo nos períodos eleitorais, recomendo a
leitura do excelente A Ditadura Continuada – Fatos, Factoides e Partidarismo
da Imprensa na Eleição de Dilma Rousseff, resultado de uma cuidadosa pesquisa
realizada por Jakson Ferreira de Alencar, recentemente publicado pela editora
Paulus.
O livro
se concentra na cobertura política oferecida pelo jornal Folha de S.Paulo e
parte da divulgação da falsa ficha “criminal” dos arquivos do Dops da militante
da VAR-Palmares Dilma Rousseff, então pré-candidata à Presidência da República,
em 4 de abril de 2009.
Jakson
Alencar faz um acompanhamento minucioso de todo o caso, ao longo dos três meses
seguintes, registrando a “semirretratação” do jornal, em matéria antológica
para o estudo da ética jornalística, na qual se reconhece como erro “tratar
como autêntica uma ficha cuja autenticidade, pelas informações hoje
disponíveis, não pode ser assegurada – bem como não pode ser descartada” (p.
67).
Chama a
atenção no episódio a “condução”, pela repórter da Folha, da entrevista –
que mais parece um interrogatório – realizada com Dilma. Há uma indisfarçável
tentativa de comprovar a hipótese do jornal de envolvimento da entrevistada não
só com o sequestro (não realizado) do então ministro Delfim Netto, mas também
com a luta armada. A entrevista de outro militante, Antonio Espinosa, usada
como suporte à tese do jornal, jamais foi publicada na íntegra, apesar de os
trechos publicados haverem sido reiteradamente desmentidos pelo entrevistado.
Jakson
Alencar mostra, com riqueza de detalhes, o comportamento arrogante do jornal,
ao tempo em que a própria Dilma tratava de comprovar a falsidade da ficha, além
do descumprimento sistemático de seu próprio Manual de Redação. Fica clara a
“tese central de toda a reportagem, segundo a qual a resistência à ditadura é
criminosa, e não o regime totalitário e violento, implantado de maneira ilegal”
(p. 95) e, mais ainda, que essa tese “continuou sendo difundida em muitos
veículos da imprensa brasileira durante todo o período da campanha eleitoral de
2010”.
“Hipóteses
furadas”
A
segunda parte do livro trata do período da campanha eleitoral, de abril a
agosto de 2010. Aqui o ponto de partida é o 1º Fórum Democracia e Liberdade de
Expressão, promovido pelo Instituto Millenium, em março. Como se sabe, essa ONG
é um dos think tanks da direita conservadora brasileira, financiado,
entre outros, pelos principais grupos da grande mídia. Segundo Jakson Alencar,
teria surgido nesse fórum a “Operação Tempestade no Cerrado”, que orientaria a
cobertura política dos jornalões e teria como objetivo impedir a eleição de
Dilma Rousseff (p.105).
Concentrado
na Folha de S.Paulo, o livro mostra o esforço cotidiano para ressuscitar
escândalos passados e a busca de novos escândalos do governo do PT, além de
tropeços e temas negativos relativos a Dilma. Paralelamente, o tratamento
leniente e omisso dispensado ao candidato do PSDB.
Na
terceira e última parte, o livro aborda a “Operação Segundo Turno” e cobre o
período que vai de 26 de agosto a 3 de outubro. A partir do momento em que as
pesquisas de intenção de voto confirmam a tendência de eleição de Dilma, tem
início “uma maciça ação da imprensa contra a candidata às vésperas da eleição e
uma chamada ‘bala de prata’, com o intuito de alterar os rumos da campanha” (p.
145).
Destacam-se
nesse período “acusações, ilações e insinuações que viraram condenações
sumárias” (p. 147), sobretudo o caso do suposto “dossiê” preparado pelo PT
sobre dirigentes tucanos, com dados fiscais sigilosos, e o “escândalo”
envolvendo a então substituta de Dilma na Casa Civil (registro: o Tribunal
Regional Federal da 1ª Região arquivou o processo contra Erenice Guerra por
suposto tráfico de influência, depois de acatar recomendação do Ministério
Público Federal e por decisão do juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara
Federal, em 20 de julho de 2012).
Nas
suas conclusões, Jakson Alencar afirma que “a cobertura (da Folha de S.
Paulo) (...) misturou frequentemente fatos com opiniões e boatos, somando-se a
isso outros elementos, como torcida, manifestação de desejos travestidos de
informação, argumentação frágil e com pouca lógica, estratégias óbvias e já
desgastadas pelo uso repetitivo em diversas eleições, incapacidade de analisar
processos econômico-sociais para construir posicionamentos e críticas com um
mínimo de sofisticação; teses e hipóteses furadas; narrativas e entrevistas
enviesadas; fontes de baixíssima credibilidade” (p. 252).
Manual
desobedecido
Curiosamente
(ou não?), na mesma época em que a Paulus publicava o livro de Jakson Alencar,
a Publifolha lançava na Coleção “Folha Explica” o livro sobre a própria Folha,
escrito por Ana Estela de Souza Pinto, ela mesma jornalista da casa desde 1988.
Neste, o “erro” do episódio da ficha falsa de Dilma no Dops merece registro em
função do “fato de a Folha ter voltado sua bateria investigativa para
todos os governantes, de diferentes partidos”. Segue-se um parágrafo que
reproduz a “retratação” que a Folhaofereceu, já citada, na qual, apesar de
todas as evidências em contrário, se afirma que a autenticidade da ficha do
Dops “não pode ser assegurada – bem como não pode ser descartada”. Nem uma
única observação sobre a cobertura partidária das eleições de 2010.
O
resultado de tudo isso, como se sabe, é que Dilma Rousseff – apesar da grande
mídia e do seu partidarismo – foi eleita presidenta da República.
A
Ditadura Continuada – Fatos, Factoides e Partidarismo da Imprensa na Eleição de
Dilma Rousseff, de Jakson Alencar, demonstra e confirma o que já sabemos: os
jornalões brasileiros, além de partidarizados, não têm compromisso nem mesmo com
seus manuais de redação.
***
[Venício
A. de Lima é jornalista e sociólogo, pesquisador visitante no Departamento de
Ciência Política da UFMG (2012-2013), professor de Ciência Política e
Comunicação da UnB (aposentado) e autor de Política de Comunicações: um
Balanço dos Governos Lula (2003-2010), Editora Publisher Brasil, 2012, entre
outros livros]
Reproduzido
da revista Teoria e
Debate nº 108, janeiro/2013
Um comentário:
http://www.viomundo.com.br/politica/o-fosso-que-se-abre-entre-opiniao-publica-e-opiniao-publicada.html
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