Foi quando o mundo ficou nas
trevas que ele evoluiu. Ele queria, mesmo, era estar em Sunset, pegando uma
daquelas maravilhosas ondas que dropam na sua alma, mas ele estava longe de
tudo e de North Shore. Estava dentro de outras águas, outros mares. Estava nas
águas escuras de Maria que é Mar, emoção, volume de sentimentos, Pipeline
bíblico. Foi quando o som parou que ele descobriu. Olhou ao seu redor, o vento
batia sudoeste, a chuva chegaria numa questão de tempo, mas a verdade é que o
som havia parado. Era como entrar num tubo e só sentir a pressão dos milhões de
litros d’água, abraçando, sussurrando fantasmagórica, entorpecendo, como
espumante em festa de ano novo. A evolução que acontece no silêncio tem as suas
próprias características e trajetos. Ela vem aos poucos, galopando lentamente,
certezas que não se encontram num instante, não têm zelo ou portam espadas; E o
tempo, quando muito demorado, transforma-se em ar rarefeito, assim como a
esperança, quando se demora demais, tende a virar mais veneno que bálsamo. A
descoberta rápida é fruto da perspicácia. A descoberta demorada é corrupta e
aniquiladora do espírito. O último a saber é sempre o babaca, nunca o herói. E
foi nesta amálgama de fé e merda que ele evoluiu, como uma flor furando o
tédio, o nojo e o ódio, rompendo o asfalto, os vasos emancipados de uma mulher
querendo jorrar petróleo, como Drummond e Clarice, foi na dor irresistível e
pulsante que ele evoluiu, compreendendo a mágica, o amor que vem com os nervos
doloridos e cansados. Ele queria, mesmo, era estar com os pés na areia, o
cheiro do mar entrando pelos poros, a bermuda emborrachada, a pele castigada
pelo sol, os olhos centrados na imensidão do pêndulo de Foucault, a parafina
dourando os cabelos. Contudo, às vezes, o amor brota do caos, da criação
divina, vem na dor do espinho, na compreensão da fadiga. Foi quando o câncer venceu
que ele percebeu estar vivo nos olhos da sua filha.
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