domingo, 30 de dezembro de 2012

Conto de ano novo



          Passou a mão na chave, deteve-se por alguns segundos como que esperando o milagre da tecla “esc” ou coisa parecida, mas nada voltou ao lugar de outrora; a chave pulou para o seu bolso e a maçaneta rodou. Queria estar mordendo àquelas ancas em forma de coração, suadas e morenas, queria observar os seios fartos que preguiçosamente se movimentam quando ela esta por cima, queria poder dizer que morder e suar com ela era a coisa mais profunda e filosófica que ele já experimentara em vida.
Mesmo querendo uma coisa, fez outra e, com passos imprecisos, idiotamente atravessou a rua para nunca mais voltar. Quando ligou o carro percebeu que precisava caminhar até se perder na penumbra e, como um homem de verdade, chorar. Dirigiu por intermináveis dois quilômetros e largou o carro em um desses estacionamentos sem cobertura próximos à orla. Caminhou sem conseguir chorar, mas estava destruído, estilhaçado, um fuxico sem costura. Os pés na areia e a cabeça encharcada, era um turista dentro de si.
Claro que, assim como as rochas e montanhas mais altas, o gelo polar e as curvas poderosas de Niemeyer, nada é tão devastador e dolorido quanto o tempo. O tempo acaba com qualquer valor qualitativo e quantitativo para a dor. O tempo, infelizmente, pinga felicidade no “Trocando em Miúdos”, do Chico, faz troça com o sofrimento e é tremendamente indelicado com a miséria da alma alheia. O tempo, senhores, é um anti-romântico inveterado!
Portanto, como qualquer mortal que sofre e chora por amor, um dia ele acordou com uma leve sensação de virulenta alegria e descambou, com uma taça e um espumante para as areias de Copacabana aguardar o ritual de ano novo. Os belíssimos fogos e os humanos de branco lembravam algo indígena, levemente adocicado. E aqueles fogos, aquela gente, aquela noite, aqueles sorrisos, aquelas garrafas enterradas na areia...
Acordou com alguma dor de cabeça e uma linda negra ao seu lado. Como chegara ao seu apartamento? Não fazia a mínima ideia, apenas tomou um banho, um café rápido e uma aspirina americana, pensou no tempo e nas músicas de Vinícius, pensou na felicidade como uma gota de orvalho numa pétala de flor e voltou pra cama com café e torradas.
- Já acordou? Feliz ano novo!
- Posso morder a sua bunda?

Um comentário:

Renato Couto disse...

Marcelão, perdoe o trocadilho, mas este conto está desbundante! Feliz Novo Ano, com várias a serem mordidas...