De repente, o candidato parece ter sido vítima de pedrada na cabeça. É o que depreendo do título de matéria saído na Folha de S.Paulo de 17/7: “‘Lula e FHC são mais parecidos do que parece’, afirma Serra”.
Por Washington Araújo, no Observatório da Imprensa (publicado com o título original “De carona na popularidade presidencial), via Vermelho
O texto é de uma sem-cerimônia de causar espécie. Vejamos como continua a matéria:
“Ao fazer campanha pelo estado natal de Lula, o candidato tucano à presidência José Serra disse que é ‘amigo pessoal’ do presidente e que o líder petista e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ‘são muito mais parecidos do que parece’. ‘O ouvinte aqui pode estar surpreso, mas eu conheço os dois’, disse Serra em Recife (PE), em entrevista a uma rádio local. ‘Ambos são, embora de maneira diferente, meus amigos pessoais, independentemente das diferenças em política’.”
Na mesma linha segue o vetusto Estado de S. Paulo, que, também em sua edição de 17/7, abre matéria com a manchete “Lula e FHC são mais parecidos do que parece”. Publicou o jornal:
“Indagado sobre quais seriam as semelhanças entre Lula e Fernando Henrique, respondeu: ‘São questões de natureza pessoal e psicológica, mas carinhosa. Ambos são, embora de maneira diferente, meus amigos pessoais independentemente das diferenças em política.’ Mais tarde, instado a explicar melhor a comparação, esquivou-se. ‘Foi uma observação curiosa, vai ficar por aí. Vou deixar todo mundo curioso’.”
Pensei: o que não faz um político para pegar carona de um presidente que bate seguidos recordes de aprovação popular? Todos, mas todos mesmo — à exceção de colunistas da Veja, Folha de S.Paulo e O Globo —, querem tirar uma casquinha da popularidade presidencial e, para conseguir o intento, são até mesmo capazes de adulterar o que já assumia ares de senso comum: não existe nada mais diferente que Lula e FHC.
Eles são tão parecidos quanto Barack Obama e Josef Stalin ou Leon Tolstoi e Ernest Hemingway ou, quem sabe, Ricardo Kotscho e Diogo Mainardi. Mais pessoas parecidas? Vamos lá. Lula e FHC são tão parecidos como parecidos são Edir Macedo e Roberto Irineu Marinho ou Michel Temer e Índio da Costa, ambos candidatos a vice-presidentes nas chapas de Dilma Rousseff e José Serra.
Diferenças e mais diferenças
Não precisamos ir muito longe para ir apontando diferenças. Mas, considerando que quem leu os jornais do dia 18 último poderia ingenuamente ser levado a concordar com a tonitruante assertiva do ex-governador paulista, uma vez que nenhum jornalista, articulista, colunista, comentarista de política ou de economia se atreveu a detalhar pontos de completa dessemelhança ou mesmo de alguma confluência, decidi listar apenas dez dessemelhanças que saltam aos olhos do leitor imparcial:
** Lula tem sensibilidade social, FHC tem sensibilidade econômica. Lula criou o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. FHC criou o Conselho Nacional de Desestatização.
** Lula brilha em cima de caminhões, dispõe de apenas três escassos diplomas – o conferido em sua juventude pelo Senai e os dois de presidente da República, outorgados pelo Tribunal Superior Eleitoral. FHC brilha na academia, é festejado como o “Príncipe da Sociologia Brasileira”, é autor de diversos livros publicados em diversos idiomas.
** Lula viu o risco Brasil despencar para 200 pontos enquanto nos anos FHC o risco Brasil alcançou o recorde de 2.700 pontos. Lula pagou a dívida e ainda emprestou módicos US$ 10 bi ao FMI para socorrer a economia da Grécia. FHC não mexeu na dívida externa brasileira.
** Lula elevou o salário mínimo a US$ 210, FHC deixou o salário mínimo no último ano de seu governo em exatos US$ 78. O dólar no governo Lula baixou a R$ 1,78 enquanto no governo FHC alcançou R$ 2,79.
** Lula reconstruiu a indústria naval brasileira. FHC em seus oito anos de mandato não tratou do assunto. Lula criou dez novas universidades federais, FHC não criou uma sequer. Lula criou 214 Escolas Técnicas Federais, FHC passou em branco.
** No governo Lula, os valores e reservas do Tesouro Nacional alcançaram a cifra dos 160 bilhões de dólares positivos, no governo FHC este saldo era negativo em exatos 185 bilhões de dólares negativos. Lula deixará em andamento a construção de três estradas de ferro, FHC não deixou nenhuma.
** Ao assumir, Lula encontrou 80% das estradas rodoviárias em estado precário, ao deixar o governo saberá que 70% destas foram recuperadas. Sob FHC a indústria automobilística estava em baixa de 20%, sob Lula esta indústria verifica alta na casa dos 30%, estando o Brasil atualmente ocupando a 4ª posição mundial de maior fabricante de veículos do mundo.
** Nos anos Lula verificou-se acentuada mobilidade social: 23 milhões de brasileiros saíram da linha de pobreza. Nos anos FHC esse número chegou a 2 milhões de pessoas dando adeus à pobreza. Nos anos Lula foram criados 11 milhões de empregos. Nos anos FHC foram 780 mil empregos.
** Lula não privatizou nenhuma empresa estatal e, ao contrário, criou dez novas estatais, como a Empresa de Pesquisa Ferroviária (EPF), o Banco Popular do Brasil, a Empresa de Planejamento Energético (EPE), a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), a Hemobras, que fabrica hemoderivados, e o Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec). FHC privatizou joias da coroa como a Vale do Rio Doce e Empresas de Telecomunicação do grupo Telebrás como Embratel, Telesp, Telemig, Telerg, Telepar, Telegoiás, Telems, Telemat, Telest, Telebahia, Telergipe, Teleceará, Telepará, Telpa, Telpe, Telern, Telma, Teleron, Teleamapá Telamazon, Telepisa, Teleacre, Telaima, Telebrasília, Telasa. FHC privatizou empresas como Light (vendida ao grupo francês e americano EDF/AES), Eletropaulo (vendida para a empresa americana AES), Petroquímica União S.A… a verdade é que a lista é longa. A maioria das empresas estatais foi vendida a grupos internacionais: espanhol, italiano, mexicano. Em 2002, sob FHC, o Brasil conseguiu reduzir o número de estatais a meros 108 e, em 2010, sob Lula, o país passou a dispor de 118.
** Em dezembro de 2002 o Brasil era um país sem crédito no mercado internacional. Desde o primeiro mandato de Lula o Brasil conquistou o cobiçado investment grade. No período FHC o Brasil sofreu os efeitos de 4 arrasadoras crises internacionais. No período Lula, até mesmo a chamada “mãe de todas as crises”, aquela de setembro de 2008, comparada apenas à Grande Depressão Econômica de 1929, graças às reservas financeiras acumuladas pelo governo chegou aqui como “marolinha”. Para outros países, ainda em fase de penosa recuperação, continua surtindo efeitos de tsunami.
“Questões de natureza pessoal e psicológica”
É de admirar que nossa sempre ciosa grande imprensa tenha passado batida a oportunidade oferecida pelo candidato demo-tucano de explicitar a curiosa semelhança. Pelo jeito, o propósito da grande imprensa era outro: potencializar em suas manchetes o desejo de José Serra: sim, é melhor começar a ver semelhança entre Lula e FHC e, em consequência, semelhança entre Lula e Serra é apenas um passo.
Como disse o candidato, “são questões de natureza pessoal e psicológica, mas carinhosa”. Ah bom, ainda bem que ele explicou, porque senão a decantada similitude não encontra abrigo de natureza racional ou histórica. Psicológica, sim. Há que se abrir os olhos dos pernambucanos. Afinal, na Veneza brasileira Lula é aprovado por formidáveis 93% da população.
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