quinta-feira, 10 de junho de 2010

A Linguagem e o Poder

A linguagem e a mídia, juntas, tanto podem construir quanto aniquilar o intelecto de quem se presta a consumir, lixo ou luxo.
Deixo duas perspectivas para o debruçamento, para o Flor ou a Náusea.
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O público não é estúpido

http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=593JDB015

Por Venício A. de Lima em 9/6/2010

Reproduzido da Agência Carta Maior, 4/6/2010; título original "Telespectadores e leitores não são estúpidos"

Robert Fisk, premiado jornalista inglês, correspondente no Oriente Médio do The Independent, em discurso no V Fórum Anual da emissora árabe de televisão Al Jazeera (publicado originalmente no site Vi o Mundo e também na Carta Maior) recoloca uma questão fundamental: como jornalistas incorporam acriticamente o que ele chama de "palavras do poder", isto é, palavras e expressões deliberadamente criadas nos laboratórios do poder hegemônico para falsear a realidade que aparentam significar.

O tema, por óbvio, não é novo. No clássico 1984, de George Orwell, a edição que estava sendo preparada do Dicionário da Novilíngua daria à língua a sua forma final não pela invenção de novas palavras, mas, sobretudo, pela destruição de palavras existentes.

Estudos sobre a difusão mundial da idéia de globalização no final do século 20, por exemplo, apontaram para a "violência simbólica" praticada pela introdução de palavras/expressões como flexibilização, governabilidade, nova economia, fragmentação, tolerância zero paralelamente à desqualificação sistemática de conceitos como capitalismo, classe social, dominação, exploração, desigualdade, dentre outros.

O famoso consultor do Partido Republicano e ex-assessor do presidente Bush, Frank I. Luntz, explicou publicamente, em 2003, a eficiência da substituição de palavras/expressões nas campanhas eleitorais e na sustentação da imagem positiva de governos, nos Estados Unidos: "aquecimento global" vira "mudança climática"; um "programa de desmatamento" vira "florestas sustentáveis"; "privatizar" vira "personalizar"; "invasão" vira "guerra contra o terrorismo" – e assim por diante.

Fisk e as palavras do poder

O que o assustador discurso de Fisk constata é como a relação de jornalistas com o poder mundial hegemônico está contaminada pela adoção acrítica de um vocabulário que serve de importante instrumento na construção de uma falsa visão do que ocorre hoje no mundo. Diz ele:

"No contexto Ocidental, a relação entre poder e mídia diz respeito a palavras – é sobre o uso de palavras. É sobre semântica. É sobre o emprego de frases e suas origens. E é sobre o mau uso da História e sobre nossa ignorância da História. Mais e mais, hoje em dia, nós jornalistas nos tornamos prisioneiros da linguagem do poder."

Os exemplos que apresenta estão, sobretudo, relacionados com a política externa e as ações americana e inglesa no Oriente Médio e incluem expressões como processo de paz, a paz dos bravos, pico de violência, narrativas que competem ou a substituição, sem mais, de ocupação por disputa; de muro por barreira de segurança, de colonização por acampamentos ou postos.

Um estudo sobre a cobertura que a grande mídia nativa tem oferecido da política externa brasileira, sobretudo das recentes tentativas, ao lado do governo turco, de mediar um acordo com o Irã sobre o enriquecimento de urânio para fins pacíficos, certamente revelaria um processo equivalente de adoção acrítica da narrativa do poder mundial hegemônico. Ou não seria isso exatamente o que faz, por exemplo, o jornal O Globo quando chama a atual política externa de "suicídio diplomático"?

Abreviando seu próprio fim

Fisk em seu discurso, todavia, traz uma reflexão fundamental. Diz ele:

"O lado mais perigoso de nosso (jornalistas) uso da semântica de guerra, nosso uso das palavras do poder – embora não seja uma guerra, já que nós nos rendemos – é que isso nos isola de nossos telespectadores e leitores. Eles não são estúpidos. Eles entendem as palavras e, em muitos casos – temo – melhor que nós. Eles sabem que estamos afogando nosso vocabulário na linguagem dos generais e presidentes, das assim-chamadas elites, na arrogância dos experts do Brookings Institute, ou daqueles da Rand Corporation ou o que eu chamo de think tanks."

Talvez seja essa mais uma das razões a explicar a crise continuada da velha mídia, não só entre nós, mas no mundo: nossos telespectadores e leitores não são estúpidos.

A partidarização como estratégia de sobrevivência e a adoção acrítica da narrativa do poder estão acelerando a desconstrução de modelos superados de jornalismo e, inclusive, de modelos de negócios. Insistir neste caminho significa, para a grande mídia, abreviar seu próprio fim.

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A mídia e a tática da demonização

As pesquisas qualitativas dos institutos de pesquisa Datafolha e Ibope são bastante reveladoras de métodos tradicionais da velha mídia.

Até algum tempo atrás, uma das táticas mais bem sucedidas do jogo jornalístico consistia na demonização de personagens. Criavam personagens à altura dos filmes de terror classe B de Hollywood, passando para o leitor a sensação do perigo iminente, do vilão de sete vidas cujo único antídoto era o trabalho corajoso e pertinaz da mídia.

Depois da democratização, viveram esse personagem sucessivamente Orestes Quércia, Paulo Maluf, José Sarney, Fernando Collor, Sérgio Motta. Em caráter regional, Joaquim Roriz. Mais recentemente, Renan Calheiro e José Dirceu.

É só conferir o depoimento do leitor que foi pesquisado pelo IBOPE – com a pergunta sobre o que achava de José Dirceu – e a matéria de hoje da Folha, uma forçada de barra para colocar o nome de Dirceu na campanha.

um jogo tão óbvio que no ataque perpetrado pela Folha contra mim, a editora de Política Vera Magalhães colocou na matéria que, no tal episódio da Eletronet, eu tinha feito a defesa do Dirceu. Quem leu sabe que não houve nada disso, mas incluindo o nome do "maldito", julgava poder prescindir da necessidade de levantar argumentos consistentes sobre a cobertura que dei ao caso - e que comprometia a Folha.

Embora a própria opinião pública considerasse vilão maior, ACM jamais entrou nessa lista. Sempre foi poupado mercê dos grandes favores prestados a grupos de comunicação, quando foi Ministro de Sarney; e também graças às ligações com grupos de influência entre jornalistas – pessoas que, mesmo sem ocupar cargos de direção, lograram montar um séquito de aliados nas diversas redações.

Na ponta do lápis, não há grandes diferenças entre os métodos de alguns capitães de mídia e alguns coronéis políticos.

No início da série sobre a Veja, mostrei a estratégia da manipulação de escândalos, comparando a uma gôndola de supermercado, na qual o jornal retira o pacote de escândalo conveniente a cada momento, se não tem fabrica, com o intuito de transformar em arma dos seus próprios interesses pessoais. O denuncismo da mídia não obedece a uma lógica de depurar a política e controlar os poderes, mas como ferramenta de seus próprios interesses.

Logo depois, esse jogo se escancarou de maneira inédita com os desdobramentos do caso Satiagraha, no qual a velha mídia fuzilou reputações de juízes, desembargadores, jornalistas, delegados de polícia de forma inédita. E tudo isso em defesa de Daniel Dantas.

Com as características da política brasileira, a indignação seletiva pe desmascarada instantaneamente. Aliançcas são inevitáveis. Lula se alia a Collor e Renan; Serra a Quércia e Maluf; FHC recebe Joaquim Roriz. Ou seja, demônios para todos os gostos e partidos. A velha mídia seleciona apenas os dos adversários, praticando o velho jogo dos tempos das cortinas fechadas. Só que a blogosfera inteira acompanha o jogo de dentro do palco. Algo ridículo.

Por isso mesmo, esse denuncismo tende a perder força a cada momento. E, insistindo nesse jogo aberto – porque escancarado hoje pelas novas mídias – a velha mídia arrisca-se a ser o próximo ator do personagem que ela escolheu: o demônio da hora.

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