sexta-feira, 14 de maio de 2010

Bodas de prata

Ele queria dizer aquilo que corroi, que estraga ou aniquila. Engoliu o próprio espírito para que latifúndio amanhecesse em algum momento, mas tempo e respiração passavam ao largo. Disparos de palavras torpes o atingiam lá no fundo e ele, outra vez, sonhava latifúndio ensolarado, terra arada e vegetação rasteira. Contudo, os disparos falavam de densidade, floresta úmida, areia movediça, Guerra de Canudos e asfalto. Ele só queria paz, churrasco, cantoria, Johnnie Walker; a voz do outro lado ansiava por confronto, feijão sem tempero, chocolate diet.

Acendeu a lareira, tirou o pullover, serviu-se de um Green Label – presente de casamento do filho que, por ser cristão, dera-lhe a linda garrafa –, mergulhou duas vezes sem tirar o copo da boca, à moda cowboy.

Herófila continuava vociferando uma ode-não-profética às putas que ele supostamente possuia. Ele quis, por uma fração de segundo, entrar todo e com tudo dentro do copo quadrado, mas jogou a ideia fora como se fosse rock polaco – alcoolizado seria fácil perder o controle e, até agora, o racional e, portanto, certo era ele!

“Você quer que eu coloque a sua janta?”, perguntou quase que delirante. “Quero que você vá pra puta-que-te-pariu!”, respondeu Herófila.

E ele pensou na paisagem do filme “A Noviça Rebelde”, nos penhascos escoceses, nas árvores Joshua e, outra vez, na picanha invertida com queijo provolone que insistia em devorar, apesar da recomendação do cardiologista. Ouviu que trovoada é senhora e que as putas do condomínio já falavam em uma provável separação.

Desligou o cd player, tomou uma última golada e disse: “Vou dormir.” Assim, como quem diz “quer ficar falando sozinha? Problema teu.” Ficou deitado por duas horas sem conseguir pregar os olhos: a explosão contida envenenara o sangue. Quando conseguiu relaxar já passavam das 3 da manhã e ele levantaria cedo para buscar o filho na Marinha e levar a nora na faculdade.

5:30 – piscava o despertador digital ao seu lado, assim como uma voz rouca as suas costas. “Enfim, onde você esteve ontem à noite?” Ele se virou e disse algo como “no hospital com meu pai... a falta de ar começou novamente”. Herófila sentou-se na cama com a testa enrrugada: “E por que você não disse ontem?”

“Ué, você conseguiu prever as minhas trepadas com as putas do Éfeso e nada sobre eu estar no hospital? Bem, nem precisava prever nada, era só checar as mensagens de voz no teu celular...”

E outras imensas palavras rolaram pelos olhos um do outro; umas dificultosas, outras mudas.

Ele ameaçou sair da cama para fazer o café. E foi neste momento que fizeram amor de verdade. E latifúndio, outra vez, foi os seus braços.

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