terça-feira, 13 de janeiro de 2009

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...os destroços, os calos, os choros contidos pareciam brotar dos seus olhos. Não, ele ainda não tinha tempo para chorar. Bem que queria, mas a sua alma estava cansada demais, tensa demais, seca demais. Queria correr para todos os lados, nu e assexuado, mas a coragem que brota do pavor é por comida, pela animalização do horror. Foi enviado como repórter e, antes que pudesse entender a décima segunda bomba, fecharam-se todas as fronteiras. Estava preso na degradação da maior cadeia já registrada. O gás rareava, a água, há muito, não era potável, a luz era “Encontros e Partidas”, assim como o sorriso, a incerteza severa e a dor humilde – único elemento que, depois de uma explosão, revela a vida. Queria voltar a ser deus no Rio de Janeiro: beber sem limites, comer uma belíssima picanha, trepar com alguém que saia de Flower by Kenzo, que beba Stella Artóis, que goste do Chico, que more na Orla. Queria ser um desvairado, mas aquelas fotos eram as fotos de Carajás, eram as fotos de Soweto, eram as fotos da miseria humana, eram as fotos do João Helio em meio a chuva de fósforo. E ninguém fica indiferente quando as fotos mostram os filhos de alguém. Ele acende um cigarro e o traga sem pudor. Um copo de vinho cairia bem, mas o cheiro do sangue queimado o deixa enjoado, sufocado. Daqui a pouco começa tudo de novo, mas é assim no mundo todo, aqui só tem mais jornalistas e interesses maiores. De repente alguém vai falar alguma coisa, está apontando para um céu muito cinza e de uma claridade absoluta. É Deus que vem! É o chamado. Algumas pessoas se levantam, outras imitam a posição fetal. Uns choram. Ele não consegue, por mais que seja preciso. Ele não consegue. O brilho se faz presente! Um barulho seguido de outro! Tudo assim: exclamativo e uma constante... Uma constante... onomatopéia...
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PS.: Estou sem internet em casa, por isso, as dificuldades são imensas para ler todos os meus blogues favoritos e postar algum comentário. Peço desculpas a todos.

5 comentários:

Jens disse...

É o horror, Marcelo, o horror...
O horror, a dor e a insanidade da guerra, aqui, aí e acolá. Quando se trata de destruir o semelhante, o ser humano não conhece fronteiras. Um dia terá fim? Acredito que sim. Infelizmente, os sintomas do presente indicam que não será um final de liberdade, igualdade e fraternidade. Suspeito que a escalada da violência levará a humanidade a sucumbir numa tempestade de dor, sangue e fezes. Assim viemos ao mundo, assim vamos deixá-lo. Apocalíptico? Claro, as é só olhar em volta para ver os sinais. Quando isto acontecer espero já não estar mais aqui e ser uma estrela no infinito.
Um abraço e parabéns pelo texto, duro e cruel como uma ferida feita por arame farpado enferrujado. Adequado a um tempo de guerra.

BirdBardo Blogger disse...

Realmente degradante essa cena...A leitura exala uma realidade que não gostamos de enxergar, mas ela existe.O véu não cobre a realidade...Parabéns Marcelo pelo blog!!!Add aos favoritos!!!

o refúgio disse...

tou no mesmo barco, meu querido. um pouco pior: tou sem computador. mas li seu texto, tocante, como sempre.
um beijo.

Cris disse...

Oi, Marcelo,

Ótimo e triste texto. Nem podia ser diferente.

Bj

dade amorim disse...

São tantas as formas do horror neste mundo! Teu texto é duro e realista, no limite. É assim mesmo, ninguém está livre de ser engolido.
Voltei da terra do nunca :), vê se volta também, menino.
Beijo, até breve.