quarta-feira, 2 de julho de 2008

Justiça (ainda) é um exercício "Res-Publicano"


O pirata, o juiz e as melancias
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Marcelo Carotta tem mais de 40 anos e, como jornalista, trabalhou em Minas toda a sua vida. Como jamais foi colunista amestrado, desses que quando estão muito irritados com alguma patifaria escrevem "homessa, que maçada", jamais conseguiu ficar muito tempo nos jornais, revistas e rádios em que trabalhou. Abriu um botequim onde bebia mais que os clientes que, eles mesmos, punham o dinheiro da conta na caixa registradora e faziam o troco. Não demorou a falir. Decidiu fazer um sítio na net, um dos mais lidos – Pirata Zine – para ver no que dava enquanto ganhava uma graninha aqui e outra ali. Seu sonho, como os de Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Zuenir Ventura, Ziraldo, Drummond, sempre fora vir para o Rio onde teria, pensava ele, mais oportunidades. Ficou em Minas cuidando do pai com câncer há anos e quando o velho morreu botou o pé na estrada. Convidei-o para ser o sub-editor do meu sítio eletrônico – O G/lobo e lá está ele assistindo o editor Jean Scharlau. As coisas andam que é uma beleza. Sai até artigo me esculhambando.
No Rio, tentou em vão todas as redações de jornais Algumas não o aceitaram por escrever bem, o que é verdade, outras por ser muito velho, outras porque só podiam pagar salário de estagiário ou não pagar nada. Houve até uma que o botou para correr por ter sido recomendado por mim. Verdade é que ele embora tenha uma excelente base cultural e ser um grande repórter, continua no Rio. Mas seus gritos não atingem nem os cachorros que riem das suas tentativas de acabar com eles.
Por que conto esta história pela qual todos passamos, até mesmo o velho Machado, homenageado recentemente com uma bela biografia de Daniel Piza e pela Flip, para a qual este ano, tenho certeza, me convidarão? Conto porque quero e, como não sou açougueiro, não necessito de ganchos embora esta crônica tenha muitos, como todos perceberão.
Pessoal que me acompanha sabe que não faço bom juízo da nossa Justiça decretada por ricos para ricos. Contei casos de nossos irmãos brasileirinhos que estão em cana, inocentes, sem julgamento porque às vezes o juiz ficou doente e outras decidiu ir para o motel com a namorada. Chegou então um e-mail do Carotta contando-me o caso de um juiz decente que faço questão de publicar, pois ele deveria ser o nosso ministro da Justiça. Duraria algumas horas, creio.
A Escola Nacional de Magistratura incluiu, em seu banco de sentenças, o despacho incomum do Juiz Rafael Gonçalves de Paula, da 3.ª Vara Criminal da Comarca de Palmas, em Tocantins. A entidade considerou de bom senso a decisão de seu associado, mandando soltar Saul Rodrigues Rocha e Hagamenon Rodrigues Rocha. É o auto de prisão em flagrante de Saul e Hagamenon, detidos pelo roubo de duas (2) melancias. O promotor de Justiça opinou pela manutenção dos indiciados na prisão.
Agora vejamos a obra-prima que é a decisão do Rafael:
"Para conceder a liberdade aos indiciados, eu poderia invocar inúmeros fundamentos: os ensinamentos de Jesus Cristo, Buda e Gandhi, o Direito Natural, o princípio da insignificância ou bagatela, o princípio da intervenção mínima, os princípios do chamado Direito Alternativo, o furto famélico, a injustiça da prisão de um lavrador e de um auxiliar de serviços gerais em contraposição à liberdade dos engravatados e dos políticos do mensalão deste governo, que sonegam milhões dos cofres públicos, o risco de se colocar os indiciados na Universidade do Crime (o sistema penitenciário nacional)...
Poderia sustentar que duas melancias não enriquecem nem empobrecem ninguém.
Poderia aproveitar para fazer um discurso contra a situação econômica brasileira, que mantém 95% da população sobrevivendo com o mínimo necessário, apesar da promessa deste Presidente que muito fala, nada sabe e pouco faz.
Poderia brandir minha ira contra os neoliberais, o consenso de Washington, a cartilha demagógica da esquerda, a utopia do socialismo, a colonização européia...
Poderia dizer que George Bush joga bilhões de dólares em bombas na cabeça dos iraquianos, enquanto bilhões de seres humanos passam fome pela Terra...
E aí? Cadê a Justiça nesse mundo?
Poderia mesmo admitir minha mediocridade por não saber argumentar diante de tamanha obviedade.
Tantas são as possibilidades que ousarei agir em total desprezo às normas técnicas. Não vou apontar nenhum desses fundamentos como razão de decidir...
SIMPLESMENTE MANDAREI SOLTAR OS INDICIADOS... QUEM QUISER QUE ESCOLHA O MOTIVO!
Expeçam-se os alvarás de soltura. Intimem-se".
RAFAEL GONÇALVES DE PAULA
Juiz de Direito

2 comentários:

Moacy Cirne disse...

Ah, se tivéssemos mais juízes como o Sr. Rafael Gonçalves de Paula...

Loba disse...

Não me lembro mais o que senti qdo li este texto lá. O que sinto agora é parecido com o que disse o moacy: uma falta imensa de mais juizes como Rafael Gonçalvez de Paula.
Beijo, professor!
PS. Obrigada pelo carinho, viu? Vc é uma gracinha