sexta-feira, 25 de julho de 2008

Antes de começar:
Não concordo com metade do texto – esta é a minha primeira apresentação. Acredito ser de uma importância sem tamanho à exposição de uma África singular para, mais tarde, adentrarmos nos “conceitos reais” do que são e para que servem as múltiplas áfricas dentro de nós e enraizadas no mundo.
Contudo, concordo com a linha seguida que me diz: “Descobri que não sou um negro brasileiro, mas um brasileiro negro”. Esta é a chave da questão. Aliás, enquanto negro, que sou, fico incomodado com a segregação involuntária ao ouvir a orgulhosa afirmação: “sou afro-descendente”. Pô, mas, de acordo com o pouco que estudei em História e Geografia, não somos todos? Não está lá nossa origem (branco, negro, vermelho, amarelo)?
Posto o texto do Doutor Magnoli porque, acima de tudo, acredito em reflexões e debruçamentos e, apesar de não ter tanta certeza, acho que é pelo diálogo e pela busca que chegaremos a todos os lugares.
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Visita à 'terra dos negros'
Demétrio Magnoli
(O Globo - Opinião - Pág. 7 - 24/07/2008)
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Milton Gonçalves encarna um personagem protagonista na novela do horário nobre da Rede Globo. É uma boa notícia para todos que apreciam a arte do grande ator. Devia ser motivo de celebração pelos grupos do movimento negro que apontam a persistência de uma regra racial oculta na seleção de elencos no Brasil. Mas eles não gostaram, pois o personagem de Milton Gonçalves é um político corrupto. O deputado estadual José Candido (PT-SP) acusou o ator de prestar um “desserviço” ao movimento negro, criando “uma má impressão do negro à população”. Se entendi direito, o corpo negro é imune à corrupção.
Numa entrevista a “O Estado de S. Paulo”, o ator não se limitou a responder a Candido, mas ofereceu uma aula singela. Ele disse que “algumas coisas mudaram na minha cabeça” depois de visitar a África: “Descobri que não sou um negro brasileiro, mas um brasileiro negro. Descobri que não sou africano, sou brasileiro.” São duas descobertas incompreensíveis para os que nos governam.
Uma lei de 2003 tornou obrigatório o ensino de “história e cultura afro-brasileira e africana” nas escolas brasileiras. Num parecer destinado a esclarecer o espírito da lei, o Conselho Nacional de Educação afirma que o “fortalecimento de identidades e de direitos deve conduzir para o esclarecimento a respeito de equívocos quanto a uma identidade humana universal”. Segundo o Estado brasileiro, a Humanidade se divide em raças e as crianças devem aprender que uma ponte racial liga os negros do Brasil a uma pátria ancestral africana.
“Não sou um negro brasileiro, mas um brasileiro negro.” O ator está dizendo que a sua identidade principal emana da esfera política e tem como referência o conceito de cidadania, não o de raça. Os brasileiros, de todos os tons de pele, formam uma nação única, alicerçada sobre o contrato constitucional da igualdade perante a lei. A identidade brasileira constitui nossa identidade pública. No espaço privado, segundo opções pessoais, podemos nos definir como negros, brancos, mestiços, gays ou corintianos.
“Não sou africano, sou brasileiro.” A segunda descoberta esclarece a primeira — e esclarece muito mais. A África está no Brasil, de mil maneiras, e há inúmeros bons motivos para se falar mais da África na escola. O melhor foi explicado pela antropóloga Yvonne Maggie, no seu “O medo do feitiço: relações entre magia e poder no Brasil” (RJ, Arquivo Nacional, 1992). Analisando a perseguição judicial contra as religiões mediúnicas, Maggie comprova a hipótese de que a crença na magia afeta pessoas de todas as cores e classes sociais no Brasil. Isso forma uma ponte essencial entre nós e a África. Mas essa ponte também conecta todos os brasileiros e faz de nossa mestiçagem algo muito mais profundo que o intercâmbio de genes. Mesmo assim, não somos africanos.
O Brasil é o Novo Mundo; a África é o Velho Mundo. No Brasil, o que vale não é a ancestralidade, mas a posição e a renda. Na esperança de inventar uma Europa tropical, o Império do Brasil distribuiu títulos nobiliárquicos, mas tais signos da diferença circulavam como mercadorias especiais no bazar dos privilégios simbólicos. Na África, como em tantos lugares da Europa, a linhagem de sangue define posições e regula relações. Atrás de uma fachada política de repúblicas, as sociedades africanas continuam a girar à volta de constelações de reis tradicionais e líderes ancestrais. Sob muitos sentidos, não é o brasileiro, mas o europeu que está mais em casa na África.
“Não sou africano.” Ninguém é africano. África, no singular, é uma declaração de ignorância. Os europeus inventaram uma África singular para designar a “terra dos selvagens” e, mais tarde, a “terra dos negros”. Os intelectuais negros dos EUA e do Caribe que formularam a doutrina do pan-africanismo beberam no conceito racial europeu para desenhar no céu dos seus sonhos a África singular. No início do século XXI, o Brasil oficial ainda não aprendeu que existem Áfricas incontáveis e pretende usar o nome do continente como metáfora para ensinar uma fábula racial às crianças.
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DEMÉTRIO MAGNOLI é sociólogo e doutor em geografia humana pela USP.
E-mail: demetrio.magnoli@terra.com.br.

6 comentários:

Moacy Cirne disse...

Assim como não existe um só Brasil, seria impossível que existisse uma só África, não é mesmo? Abraços.

AB disse...

E a cor da alma, Marcelo? Essa, não conta?

Marcelo F. Carvalho disse...

Exato, Moacy! E são os múltiplos brasis que fazem desta terra, para o bem e para o mal, um emaranhado de todos nós!
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A cor da alma são todas, Acantha! Aliás, essa deveria ser a única a importar. Como já disse o nosso querido Bob Marley, nós só seremos salvos através do amor (mas cadê o amor nesta nossa humanidade?).
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Abraço forte!

Jens disse...

Eu sou neguinha. Eu sou negão.
E quero que o senhor Demétrio Magnoli vá pra PQP. Se quiser cagar regra que se dirija aos "alemães" e "italianos" do Sul do país, que não se julgam brasileiros.
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Radical? Pois é. Sou um bagual ignorante. Como disse Aldir Blanc e João Bosco cantou: "Não põe no meu".
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Abração, Marcelo.

Jens disse...

Ah, que tal o cara baixar o sarrafo nos palhaços e parasitas que de denominam "realeza inglesa", ou naquele babaca nazista, comandante de um exército de pedófilos, que se intitula "o representante de Deus na Terra"? Ah, mas eles são brancos. Entendi. Entendemos todos.

Marcelo F. Carvalho disse...

Aliás, Jens, por que todos comemoram o dia da imigração, menos nós, os negros? Não temos muito a comemorar...
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Abraço forte a apoiado! hehehe