domingo, 30 de julho de 2017

O tapete

“E como estão os seus filhos? Devem estar enormes! E a esposa?”
“Estou separado faz três anos.”
“Nossa! A gente não se encontra há tanto tempo! Eu também me separei, não estava dando certo.”
E foi com este esbarrão na Avenida Presidente Vargas que um traço de pólvora fora derramado naquela crepitante conversa. Umas formulações de palavras simples, mas reveladoras. Wish i Could Fly, do Roxette, tocava na banca de jornal em frente. E talvez por ser ela, ao invés do Sinal Fechado, do Paulinho da Viola, a vontade de um outro encontro de consequências tão bregas quanto Roxette fez-se imponente.
E houve o encontro e mais outro de igual constância e desejo. Houve o momento da troca de olhares e sorrisos sem palavras que sempre querem dizer muito sem precisar de sons ou gestos largos. E houve o sexo, a foda, a transa e o amor, teve rapidinhas também, teve prazeres na medida e noites em quartos de hotel que ninguém ousou dormir. Houve dias de chuva com as crianças presas na sala fazendo uma algazarra poderosa e dias ensolarados de passeios na Quinta da Boa Vista e no Jardim Botânico. Houve dias realmente difíceis. Houve momentos totalmente mágicos.
Houve prudência também, cuidado no tatear o espaço do outro e uma certa preocução em não pisar nos pedaços de vidro deixados por outros relacionamentos, preocupação em não colher nada que já tenha caído do pé, inclusive as palavras que não foram ditas e que, naquele momento, para nada serviam. Claro que nem tudo era possível evitar. Não inventaram um modo de se prever a rajada de vento trazendo uma decisão infeliz, uma frase arenosa.
Mas quem se banha no mesmo rio duas vezes? Não a filosofia. Eles tampouco. Portanto, mesmo com outros relacionamentos na bagagem, o livro estava sendo escrito outra vez e, como o percurso da gota d'água deslizando nas costas da mão, caminhos caóticos são traçados em oposição à escolha passada. E assim foram desbravando outras possibilidades.
Mas foram bons tempos e eles até alugaram uma casa de veraneio na subida da serra; uma fuga-clichê pra trepar no tapete em frente à lareira e comer fondue. Ela reclamou do cheiro do tapete e afirmou que pinicava, ele valorizou a sua dor nas costas, mas ela disse que isso era a obesidade, não o chão duro. E foram tempos de rara embriaguez e caos controlado. E houve muito suor no tapete por este tempo.
Hoje estão mais grisalhos. A febre dos anos 90 dera lugar a um mundo cheio de paranoias e pouco iluminado. A virada do século não trouxe conforto pra ninguém, muito menos avanços na capacidade de se olhar o próximo.
Mas eles estavam juntos.
E ele continuava obeso.





3 comentários:

Unknown disse...

Foi a música sim. Aposto!

Unknown disse...

Foi a música sim. Aposto! Riscou a pólvora e ... Foi.

Marcelo F. Carvalho disse...

Ahahahaha! Foi a música. Desconfio