Engraçado, mas o que vinha a sua mente era o seu sorriso carnudo e
seus olhos grandes, castanhos e discretamente repuxados, dando ao
formato do rosto uma característica que ele adorava. E era sempre
assim. O seu refúgio das angústias do presente, quando a tempestade
no seu espírito dava sinais, pensar nela reverberava uma alegria
melancólica, uma energia de momento congelado, uma superfície
confortável. Se era essa a realidade do que foi? Não vinha ao caso.
As melhores lembranças são invenções nossas de algo que
aconteceu.
Clarice escreveu que somos o que estamos sendo agora; um dia
depois que nascemos, nós nos inventamos. Contudo, também era
verdade, na sua própria escrita, um livro depois, que criar não
era imaginação, era correr o grande risco de se ter a realidade.
E por que os dois não podem estar certos ao mesmo tempo, onde a
realidade e o imaginar são os dois buracos de minhoca que os
perpassa sem dividir?
E se somos invenções nossas e dos que nos cercam, existimos ou
imaginamos e somos imaginados? Personificamos?
Foda-se.
Engraçado, mas o que vinha a sua mente era o seu jeito despojado,
sua voz firme. Ele gostava de estar envolvido nos seus braços e
lábios, sentir o cheiro do seu pescoço, da sua roupa. Por que, no
volume das lembranças, na quantidade de saudade, o cheiro do pescoço
ou da jaqueta jeans era tão fundamental? Vai entender! Ou o sentir é
vão, ou as impressões mais marcantes dizem muito mais a respeito
dele próprio antes de algum entendimento.
Mas aí ele teria que perguntar por que ela? O que tinha dele nela?
Sua mãe, diria Freud. Mas no gosto da saliva ou do porquê de
esperar o sorvete derreter um pouco pra apreciar a cremosidade
líquida, o que era paixão?
Engraçado, mas o que vinha a sua mente era o modo como ela levava o
cigarro à boca e enchia as bochechas. Era o seu modo punk de parar e
colocar um dos pés no muro, as mãos na jaqueta. O que eram imagens
dele misturadas à lembrança do que pode ter sido ela explica as
imagens pouco sexuais.
Ele de fato a amava?
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