sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Faltou combinar com os russos


As urnas trouxeram más notícias para os institutos de pesquisa no domingo passado (5), quando parte das previsões eleitorais aferidas na véspera ou até na boca de urna foram atropeladas pela apuração.

As divergências entre previsão e apuração afetaram a credibilidade das pesquisas e levaram junto a cobertura dos jornais, amplamente escorada nos levantamentos --nunca as pesquisas eleitorais foram tão predominantes como neste ano.

Além delas havia basicamente mais dois ingredientes: trocas de acusações entre candidatos e denúncias de corrupção. O primeiro é o prato-feito fácil de todas as campanhas eleitorais, aquecido pela polarização e pelo micro-ondas insano de blogs e redes sociais.

No segundo, o protagonismo é do Ministério Público Federal, e os jornais ficaram no papel de publicar títulos e manchetes quase sempre construídas com um fio de notícia, em vazamentos feitos a conta-gotas por gente envolvida na investigação. O lide das reportagens trazia dois dedos de novidade, e o restante do texto era contexto e memória do que já havia sido publicado.

Nesse cenário desanimador, o infortúnio ajudou a pauta, e a adversidade que jogou Marina Silva na disputa garantiu uma montanha-russa que aumentou o trabalho dos institutos e facilitou o das Redações. Em 44 dias, a Folha deu oito manchetes para o Datafolha e uma para o Ibope, fora os títulos menores.

Pelo predomínio e pela influência das pesquisas no noticiário --e nos votos--, era obrigatório que o jornal fizesse uma avaliação consistente das divergências entre urnas e pesquisas, abordando os casos um a um e tentando fornecer explicações claras para não dar margem a desconfianças sobre manipulação.

Não foi o que aconteceu. A reportagem publicada na terça (7) soou como discurso chapa-branca, com título anódino (“Institutos de pesquisa sofrem críticas”) e linha-fina que dizia que as diferenças haviam gerado reclamações de políticos. Não foram só eles, a grita foi geral. Não foram só reclamações, foi incompreensão e desejo de entender.

Observei a inconsistência na crítica interna, ponderando que jornal deveria ter procurado outros especialistas, para ouvir opiniões independentes. Deveria ter aprofundado a discussão sobre as metodologias adotadas e seus limites.

A Secretaria de Redação acha que minha crítica está errada, porque parte do pressuposto de que os números da apuração precisam ser iguais aos da pesquisa e argumenta: “Quando o resultado da urna é igual ao da pesquisa divulgada na véspera, não é acerto do instituto. É apenas indício de que não houve transferência relevante de votos no sábado e no domingo, quando as pessoas mais falam de eleição”.

Bom, o jornal costuma celebrar o acerto quando os números coincidem. Deveria parar de fazê-lo. Depois, o problema não é do pressuposto, e sim do tratamento conferido a dados que deveriam ser extensivamente relativizados.

Conversei com Mauro Paulino e Márcia Cavallari, responsáveis pelos dois principais institutos de pesquisa, que enfatizaram as condicionantes das pesquisas. Paulino me informou, por exemplo, que dois terços das entrevistas do Datafolha foram feitos na sexta e um terço na manhã de sábado. Ele diz que havia um movimento de mudança de voto iniciado com o debate da “TV Globo” (em que Marina Silva foi mal) e intensificado ao longo do fim de semana pelas pesquisas de sábado, que deram o tucano em ascensão. O índice foi mudando.

A explicação faz sentido, mas nenhuma dessas ressalvas era contemplada na reportagem do domingo nem nas explicações de terça. No dia da eleição, havia uma longa análise do Datafolha, mas esses aspectos não eram mencionados.

Houve outras diferenças até mais gritantes que a da disputa presidencial, mas não é papel da ombudsman avaliar o desempenho dos institutos de pesquisas. É do jornal, que faz desses levantamentos a peça de resistência de seu noticiário.

A Secretaria de Redação afirma que a cobertura da Folha é cuidadosa e não trata pesquisa como tentativa de previsão do resultado das urnas. Se é essa a percepção, é bom acender a luz amarela, porque os russos não estão entendendo.

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Vera Guimarães Martins é ombudsman da Folha de S. Paulo


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