segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Parte 5

Não, eu já não queria mais fazer parte de banda alguma. Já tinha tocado em 04 bandas de garagem e, pelas minhas próprias limitações técnicas e gosto pelo experimentalismo, não tinha a menor chance de fazer parte de algo profissional – eu não passaria na prova da OMB nem se estivesse preparado.
            Então, estava bastante acomodado no meu objetivo de sentar na cadeira das Letras e lecionar (trabalhar com jornalismo, quem sabe?), escrever um romance medíocre ou ser só um bêbado, mesmo. Meus amigos de outras músicas (meu brother da vida toda Thiago Sá e o baixista de mão cheia Luy Trindade) conseguiram pular para um outro patamar; estavam finalmente tocando com profissionais da melhor estirpe. E eu, no meu melhor namorinho de portão, biscoito, café, apenas torcendo para que eles chegassem lá, no topo. Mereciam.
            E um ano depois, eu já quase “juntado”, achando absorvente na minha gaveta de cuecas, recebi um telefonema do Thiago. “Cara, que cê tá fazendo? Vamos tocar de novo? Tem vaga procê aqui.” Pronto, eu estava dentro outra vez. Os ensaios eram no estúdio da banda. Fantástico. Eu nem precisava levar o meu teclado de iniciante. Eles tinham 03 Rolands, mesa com uma porrada de canais, foda, tudo foda. Fiquei meio embasbacado. Olhei pro meu irmãozão e disse: “cara, não sei, não.” Ele retrucou com um “foda-se, toca alguma coisa aí.” Toquei Fátima, do Capital. Todos sabiam e ficou razoável. Passaram-me um repertório para o nosso primeiro show juntos. Eu precisava “tirar” as músicas e ensaiar. Estava dentro. Sem merecimento algum, por pura amizade. Confiança.
            E foi bom enquanto deu pra ser e melhor ainda as apresentações. Porra, é bom fazer parte de algo pretensioso, mas eu era limitadíssimo e estava vislumbrando uma coisa diferente. A banda queria ser Jota Quest e Creed; eu, Radiohead. A banda ouvia Steve Vai, eu gostava mais da pegada do Satriani. Eles queriam o sucesso. O sucesso me amedrontava. Eu queria experimentar, colocar computador junto com teclados, fazer um Bjork com pegada Rock’n’roll e Peter Gabriel. Sei lá. Acho que, no final, eu sempre fui apenas um letrista que tocava numa banda. Eles mereciam continuar. Eram fodas juntos.


            E o Thiago continuou meu amigo e eu continuei ouvindo minha Legião, Pink Floyd, Smiths, Hootie, Radiohead, meu sertão e metrópole, sem teogonia.Outras veredas.
            Uma vez encontrei a garota com cabelo de James Dean. Tinha dois filhos lindos e continuava com aquele sorriso carnudo e maravilhoso. Minha filha brincou com a dela e sorríamos. Ela disse que tinha sido bom me ver. E foi para ambos. Estávamos vivos e bem e isso é tudo. Nunca mais toquei numa banda.
            Mas ainda ouço a música. Ainda ouço a música.


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As outras partes da mesma história:




            

2 comentários:

Renato Couto disse...

Como é bom ler algo que nos faz lembrar de nós mesmos, do tempo em que estávamos "vivos" e não apenas realizando generosamente nossas porções de "mais-valia"...
Quando falo aos meus filhos: "Papai já tocou no Circo Voador..." Eles riem, incrédulos face os ternos e gravatas pendurados no armário...

Marcelo F. Carvalho disse...

Renato,
Sempre bom te ler por aqui!
Circo Voador é foda! Putz, sensacional! Devia contar isso também.
Abraço forte!