segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Vaias, aplausos e emoção em um velório político


 




do Recife

Ao ouvir uma lista interminável de governadores presentes, o rapaz ao meu lado brincou: “era mais fácil avisar os 3 ou 4 que não vieram”. De fato, estava todo mundo lá. Lula, Dilma, Aécio, metade do ministério, dezenas de parlamentares, candidatos a tudo que é cargo de todos os estados, ex-políticos e autoridades em geral. Renata Campos ficou ao lado de Marina Silva a maior parte do tempo. Ela e Antonio Campos, irmão de Eduardo Campos, têm dado repetidas declarações em tom eleitoral. Os deputados Beto Albuquerque e Luiza Erundina, ambos do PSB e apontados como possíveis candidatos a vice, estavam lá. Roberto Amaral, presidente da legenda e opositor ao lançamento automático de Marina, também estava na primeira fila na hora em que o caixão desceu. Aí veio a polêmica das vaias X aplausos na chegada da presidenta Dilma Rousseff, que foi à cerimônia acompanhada do ex-presidente Lula.

Quando a candidata a reeleição chegou, houve um pequeno princípio de vaia, logo abafado por aplausos. E ficou por isso. Foi um episódio que durou poucos segundos e que não lembra, nem de longe, o xingamento de dezenas de milhares de pessoas direcionado à presidenta na abertura da Copa do Mundo. Foi um momento tão marginal que eu, que estava ao lado do palco da missa junto aos populares e fora da área reservada a autoridades e jornalistas, nem vi ou ouvi nada.

Foi então a vez da imprensa tradicional reforçar o tom político do ato deste domingo.

Alguns veículos noticiaram o ocorrido da seguinte forma: “Lula e Dilma são vaiados em velório de Campos”. Acreditar que Lula seria vaiado por uma multidão em plena capital de Pernambuco é um erro jornalístico provavelmente causado por uma falta de experiência aliada à cultura de perseguição ao ex-presidente, uma obsessão de determinados donos de empresas de comunicação que acaba contaminando os repórteres que vão para a rua. Nem todos respaldaram essa versão e noticiaram que o princípio de vaia era, como tudo indica, apenas para Dilma.

É um belo exemplo de como funciona a mídia no dia a dia. Fica ainda mais uma vez claro que o tal “jornalismo imparcial” é uma lenda com respaldo eventual apenas entre calouros de faculdades de comunicação ou no marketing. Na vida real o jornalismo imparcial não existe.

Explico melhor, a partir deste exemplo citado: aconteceu um princípio de vaia à presidenta, logo encoberto por aplausos. Dilma estava ao lado de Lula, e eles chegaram juntos ao velório. Há muitos títulos possíveis. Por exemplo: “Lula e Dilma são vaiados em velório de Campos”; “Dilma é aplaudida no velório de Campos”; “Lula e Dilma são vaiados e aplaudidos no velório de Campos”; ou ainda simplesmente: “Lula e Dilma comparecem ao velório de Campos”. E por aí vai. Qual o correto? Não há resposta objetiva. Cada veículo escolhe o enunciado que lhe convém, de acordo com suas preferências políticas.

Fica evidente, novamente, a necessidade de uma maior pluralidade na mídia brasileira, que quase em sua totalidade segue uma única linha ideológica-editorial e não representa a riqueza da diversidade da população.

Camisetas e bandeirinhas

Não foi apenas a revoada de autoridades que caracterizou a despedida de Campos como um enorme ato político.

Desde ontem à noite uma multidão ocupou o entorno do Palácio Campo das Princesas, sede do governo de Pernambuco, onde Campos e algumas das outras vítimas do acidente de quarta-feira passada foram veladas. Milhares de pessoas formaram uma fila que serpenteava pelo bem preservado centro histórico da capital pernambucana. Esperaram horas e horas embaixo do sol para olhar por alguns segundos o caixão lacrado do ex-governador. E aí tinha de tudo. Gente que veio de longe ou mora ao lado; filiados do PSB; pessoas fantasiadas; bebês de colo, senhoras e senhores de idade; grupos de bombeiros ou PMs uniformizados etc.

Alguns elementos eram onipresentes. Primeiro, as bandeirinhas. Eram milhares delas, de dois únicos modelos: a do estado de Pernambuco e outra toda preta com a pomba branca que é o símbolo do PSB. Ambas foram distribuídas pelos militantes da campanha Campos-Marina. Depois, as camisetas. Contei 12 modelos diferentes com a frase “Não vamos desistir do Brasil”, slogan lançado involuntariamente por Campos na fatídica entrevista do Jornal Nacional na noite anterior à queda do jatinho que o matou em Santos. Eram de várias cores, com ou sem o rosto do homenageado. Como as bandeirinhas, as camisetas também foram confeccionadas e distribuídas pela campanha Campos-Marina.

Ao lado da grande fila para o caixão, uma menor, com cerca de 100 pessoas, chamava a atenção: estavam todos com o mesmo modelo amarelo da camiseta “Não vamos desistir do Brasil”. Eram militantes pagos do PSB que aguardavam para pegar um sanduíche de mortadela, parte do pagamento pelo serviço do dia: a distribuição de camisetas, adesivos e bandeiras com os rostos de Eduardo Campos e Marina Silva e a promoção dos “bandeirassos” --ação na qual militantes ficam em pontos de grande circulação agitando estandartes de um partido ou candidato.

Eduardo Campos é neto de Miguel Arraes, o político de maior prestígio da história de Pernambuco –e talvez agora lhe tome esse posto. Era um candidato competitivo a Presidência da República. Logo, nada mais natural que sua despedida fosse um ato político. Houve comoção popular? Houve, claro. Uma comoção intensa e amplamente compreensível. É inegável, contudo, que o pano de fundo era a política.

Mas muita calma nesta hora. Por mais que Marina Silva e parte de seu eleitorado se diga contrária à chamada política tradicional, sem ela a ex-senadora não se elegerá, e ela sabe disso. Sendo assim, é legítima a tentativa de seus apoiadores de capitalizar eleitoralmente este momento de comoção nacional a seu favor. É igualmente legítimo veículos de comunicação defenderem suas posições, mesmo quando as estas são ocultadas por um discurso capenga de imparcialidade. Mais: é até saudável e natural que a despedida de Campos, um político extremamente hábil e promissor, tenha sido um ato político.

Não há mal algum nisso. O Brasil ficará mais maduro e com uma democracia mais fortalecida quando pessoas, partidos e mídia não precisarem fingir que não estão fazendo política. Criminalizar a política como um todo não ajuda ninguém. Pelo contrário. E Eduardo Campos sabia disso.


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