Por: Euza
Dizem que mineiro adora contar um “causo”. E é verdade. Teve um mineiro na minha vida que não só me ensinou a acompanhar histórias mirabolantes como a dar finais insuspeitos às mesmas histórias mil vezes contadas.
Meu avô era um mulato alto, magro e orgulhoso. Neto de escravos, traçou seu destino ao encantar-se pela filha mais velha do farmacêutico da cidade. Minha avó era uma "branca bem apanhada” – descendente de portugueses, tinha pele e olhos claros - mas a alma era miscigenada como a terra em que nascera. Era professora - e mais tarde seria diretora - da única escola que havia na cidade.
Naquele tempo, professora era autoridade. E marido de professora era o consorte da autoridade – portanto tão respeitado quanto ela. Viviam num casarão barroco de inúmeras janelas azuis. Janelas que se encheram todas com rostinhos que variavam do mulato ao branquinho. O rostinho mais velho era da minha mãe – que viria a ser também professora e se casaria com o recém-chegado farmacêutico, aquele que herdaria as portas estreitas e compridas da botica do lugar e viria a ser declaradamente um dos “comedores de criancinha”, herdeiro dos ideais do “cavaleiro da esperança” - este me ensinou a fazer História.
Meu avô não era letrado, mas tinha uma inteligência privilegiada, uma rara habilidade com as mãos e a alma plena das artes. Esta mistura de dons fez dele um dos homens mais ambicionados e invejados das redondezas – para desespero da minha avó que se roía de ciúmes do “seu Chico”! Mas ele era o parceiro ideal daquela descendente de cristãos novos que herdara a alma idealista e o coração conspirador dos inconfidentes da velha Vila Rica. Juntos revolucionaram a cidadezinha com suas peças teatrais - escritas por ela, montadas e dirigidas pelo Seu Chico - com seus saraus de poesia ao som de sax (às vezes clarineta) e as noitadas folclóricas onde a moçada cantava e dançava ao som da viola caipira.
Meu avô tinha muitas histórias. Ele tinha o dom de fazê-las e vivê-las e inventá-las e contá-las. Às vezes, tento me convencer de que há em mim uma veiazinha do “seu Chico” conduzindo meu sangue multirracial. Gosto de histórias, mas reconheço que saber contá-las não é pra muitos.
2 comentários:
Legal o destaque, Marcelo. Neta aplicada, Euza herdou o talento de Seu Chico.
Um abraço.
Eita! Que surpresa boa encontrar aqui o "Seu Chico"! :)
Beijo, professor!
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