quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Gran Torino

Queria falar de um ano novo cristão e das promessas que, políticas, sempre esquecemos de colocar em prática. Mas não foi possível. Simplesmente resolvi lembrar que tenho alguma massa cefálica (escondida, é claro) e peço licença ao leitor acostumado com a minha falta de educação: vou falar de Gran Torino.
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Clint Eastwood cometeu uma obra-prima. Havia encontrado a luz com 03 filmes surpreendentes: Menina de Ouro (o apogeu), Sobre Meninos e Lobos (muito bom) e Cartas de Iwo Jima (excelente). Contudo, cometer uma obra-prima (e digo cometer porque a genialidade é um tropeço que o errático humano comete à procura do que está além da sua insignificância) é uma tarefa “um tanto quanto” difícil. Acredito que o velho Clint a tenha alcançado com Gran Torino. Explico.
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Estão lá todas as referências de sua carreira, assim como todos os seus estereótipos. O filme começa com um “Dirty Harry aposentado (Walt Kowalski)” e amargurado com o que sobrou do seu país e da sua família. O país (que se resume à vizinhança, claro, pois o velho Dirty vive em seu mundinho, demasiadamente pequeno, assim como a sua visão primeira) está entregue à barbárie, refletida na comunidade negra e nos vizinhos Hmong que mal falam a sua língua inglesa – o que não deixa de ser uma puta ironia já que ele próprio se chama Walt Kowalski, ou seja, um americano/polonês. Sua família é um desastre americano (seu filho trabalha para uma montadora japonesa, o que define perfeitamente o estereótipo de desestruturação e falência das tradições). É claro que há um padre no meio do enredo tentando resgatar a “alma” do velho Dirty, mas não é com deus que Kowalski quer acertar suas contas.
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A simplicidade aparente do filme, distribuída em doses cavalares de preconceito, racismo e etnocentrismo, revela-se apenas um pano-de-fundo para algo mais, muito mais complexo: a redenção. E ela chega na figura de dois jovens Hmong. Absolutamente genial a “sacada” de Clint Eastwood ao deixar que a transformação do seu “eu” ocorra junto ao jovem Thao, filho mais novo da família asiática, que tenta roubar seu carro Ford Gran Torino 72 (símbolo máximo do tradicionalismo e status quo americano). Genial porque o antagonismo entre os dois é a amálgama que os une e transforma-os. A partir da relação de pura troca, quando o velho dá sentido à vida do jovem ao direcioná-lo no caminho do bem e o jovem devolve a vida ao velho ao torná-lo útil, cria-se a luz que resultará na “catarse contida (!)”, no momento de epifania do filme.
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O que começa com o velho Dirty, perpassa avassaladoramente pela resposta que pulsa nOs Imperdoáveis (e que terá o seu melhor desenrolar em Sobre Meninos e Lobos) e termina na revelação do seu acerto de contas. Não, Kowalski/Eastwood definitivamente não quer acertar as contas com deus, mas com o homem. É ao homem que este filme se destina, é uma ode à lucidez, e sobretudo, através da morte, uma ode ao amor.
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Queria falar do ano novo e dos desejos de prosperidade, saúde, paz e dindim, mas Gran Torino representa algo mais; representa a verdadeira mudança, a compreensão do companheirismo e a redenção através do próprio homem.

2 comentários:

BirdBardo Blogger disse...

FALAR DE FILMES, MUSICA E CEERVEJA VAI BEM...nESSA ÉPOCA TODOS FICAM MEIO PATÉTICOS

Renato Couto disse...

Um belo post para este início de "ano do tigre":

Sabe quando você pensa assim:
- Pôxa, mexi com o cara errado...
Pois eu sou esse cara...

Este é um dos diálogos de Clint, no papel de Walt Kowalski, veterano de guerra (Coréia), um velho reacionário (chama os orientais de “china”, os negros de “crioulo”, o barbeiro italiano de carcamano FDP, pergunta a um amigo, se ele é pão-duro por conta da mãe judia, chama o padre de virgem babaca e por aí vai...), americano das antigas, daqueles de beber cerveja na varanda, com um cachorro aos pés, cospir no chão e defensor, claro, do livre porte de armas.
Talvez Tommy Lee Jones pudesse fazer o papel, mas só Clint daria o “algo mais”, justamente pelo contraponto de quase todos os seus papéis no cinema (um ou outro-raro, como as Pontes de Madison, ele não foi Dirt Harry). Ah! Sim, houve a redenção do velho guerreiro, pois no fim (do filme), ele entende que não é mais possível resolver as coisas com a violência, enfim, parece o canto do cisne do eterno “Pale Rider”...

Feliz 2010...