sexta-feira, 13 de março de 2009

A verdadeira tragédia não apareceu

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Talvez por parecer um procedimento tão anacrônico, a excomunhão anunciada pelo arcebispo de Olinda e Recife na semana que passou ganhou tanto espaço na imprensa. Um espaço até maior do que o fato - realmente terrível - que gerou a excomunhão: a interrupção da gravidez, resultado do estupro de uma menina de nove anos por seu padrasto. O padrasto, preso, confessou que também abusava sexualmente da irmã mais velha (14 anos) da menina grávida.
Na mesma semana, outra vítima da violência doméstica virou notícia:
"Uma menina gaúcha de 11 anos está prestes a ter bebê, após ser estuprada pelo pai adotivo, em caso semelhante ao da gravidez de uma garota de nove anos que foi interrompida em Pernambuco anteontem. O bispo da diocese de Frederico Wespthalen, Antonio Carlos Keller, diz que o pároco local acompanha o caso desde que a tia (responsável pela garota) tomou conhecimento dele. Ele afirma que a família, que é católica, não cogitou o aborto. O pai adotivo, um pedreiro de 51 anos, tio da menina, foi indiciado sob acusação de estupro. Como ela está no sétimo mês de gestação, a legislação não permite o aborto, que é possível até a 20ª semana (cerca de cinco meses) em casos de estupro e risco para a gestante" (Agência Folha, 06/03/2009).
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Duas hipóteses de não punição
Se o arcebispo de Olinda e Recife estava querendo causar impacto, conseguiu. O Vaticano se pronunciou a favor da excomunhão. O presidente Lula deu coletiva sobre o assunto apoiando a atitude dos médicos e condenando a atitude da Igreja. Jornais e TVs divulgaram amplamente o assunto.
A justificativa do arcebispo:
"Achei correto ensinar ou reavivar a memória das pessoas para que elas parem com os abortos. Quem não sabia da lei canônica não está excomungado. Mas a partir de agora, ciente do que manda a lei eclesiástica, se voltar a fazer, estará excomungado automaticamente, sem que ninguém precise dizer: é a Lei de Deus" (O Estado de S. Paulo, 07/03/2009).
Se o arcebispo queria deflagrar uma campanha particular contra o aborto, errou ao escolher justamente o caso de uma menina de nove anos. Como disse a Folha de S.Paulo em editorial (07/03/2009):
"Não cabe a ninguém de fora da igreja questionar seus dogmas. O que causa espécie é a contundência da condenação anunciada por dom José, que parece mais proporcional à notoriedade do caso do que ao zelo com a doutrina. Em 2008, realizaram-se no Sistema Único de Saúde (SUS) 3.241 abortos desse tipo, não-clandestinos. Eles se enquadram em uma ou nas duas hipóteses de não punição admitidas pelo Código Penal em seu artigo 128: se não houver outro meio de salvar a vida da gestante, ou se a gravidez resultar de estupro e o aborto for precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. Além disso, a Justiça tem autorizado a intervenção em casos de malformação fetal que inviabilize a vida extra-uterina."
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Os pecadores da Igreja
A imprensa, fascinada com o medievalismo da excomunhão, deixou de explorar um aspecto igualmente grave dessa história: a situação do estuprador. Segundo D. José Cardoso, o arcebispo de Olinda e Recife, "o padrasto cometeu um delito gravíssimo, mas, de acordo com o direito canônico, não é passível de excomunhão automática. O aborto é mais grave ainda".
Diante dessa declaração, o estuprador de Recife, o estuprador do Rio Grande do Sul e os pedófilos do interior de São Paulo (matéria do Estado de S. Paulo de 08/03/2009) podem dormir sossegados. Podem até ir para a cadeia, mas continuam tendo o direito de ir à missa, confessar seus pecados e serem perdoados, receber a comunhão e, na hora da morte, serem beneficiados pelo sacramento da extrema-unção.
Talvez isso explique a atitude da Igreja no caso dos numerosos padres pedófilos em todo o mundo, que têm seus "pecados" tratados discretamente pela Igreja e que, quando punidos, o público não fica sabendo. Está aí um tema para a imprensa: como a Igreja pune seus próprios pecadores?

6 comentários:

Jens disse...

Putz, que paulada! Oportuna divulgação, Marcelo.
A propósito, é impressionante como estão proliferando os casos de estupro, pedofilia e agressão às mulheres. Ou será que sempre foi assim e agora a mídia está dando mais destaque para o assunto?
Seja como for, acho que lei é muito branda (para usar um adjetivo da moda). Para os estupradores, por exemplo defendo a castração. Não a radical (fazer chouriço do orgão reprodutor do tarado), mas a castração química, a exemplo do que acontece nos EUA. Outra providência exemplar dos gringos é avisar os moradores sempre que um pedófilo, já tendo cumprido pena, se muda para a vizinhança. Jogo duro com este tipo de gente.
Quanto ao arcepisbo de Olinda e Recife, é a face cabloca do obscurantismo da Igreja Católica. Não me admiraria se ele defendesse à incineração para as mulheres com TPM (As bruxas à fogueira!) e o apedrejamento das adúlteras. Trata-se de um imbecil, um lorpa, um pascácio, um papalvo, um parvo e mais um monte de adjetivos insultuosos adequados para quem vive na idade das trevas.
Porra, este tipo de coisa me deixa fora da casinha.
Um abraço.

BirdBardo Blogger disse...

E agora o padrasto sabe que deus vai perdoá-lo se ele rezar ave maria e pai nosso, mas a menina vai pro inferno.Nossa q ótimo essa doutrina medieval católica.

o refúgio disse...

Ah, Menino, nunca vi nada mais cruel. Pensei em falar no meu blog sobre o assunto mas fiquei tão enojada, sem falar que a reação de todos os setores da sociedade contra o arcebispo, foi enorme. Ongs feministas daqui reagiram e a menina, conseguiu enfim fazer o aborto. então não tinha mais razão pra me estressar, ele é já era minoria, desprezível minoria...

Beijo e Abraço

Renato Couto disse...

Na mesma semana o "Jornal do Vaticano" ainda publicou aquela história da máquina de lavar...

Cris disse...

Oi, Marcelo,

Êta hipocrisia católica!Parabéns pela abordagem.

beijão.

dade amorim disse...

A esta altura o caso já está fedendo mais que cadáver insepulto. Mas o pior é que casos escabrosos continuam aparecendo a cada dia. Não dá pra entender como as pessoas podem ser tão cruéis e insensíveis.
Beijo, Marcelo.