sábado, 7 de março de 2009

SHOWRNALISMO, O ENSINO DA COVARDIA

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(Artigo publicado pela revista Adverso, da Associação dos Docentes da UFRGS, em julho de 2007, assinado por wu)
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Boa Leitura! Boa reflexão!
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A universidade não está à parte do todo social. É uma obviedade que precisa ser lembrada. Significa dizer que a instituição reflete de uma maneira determinada a sociedade na qual está inserida. Não é possível, por exemplo, criticarmos o jornalismo que é feito atualmente sem estabelecermos a ligação com o que está sendo ensinado nas faculdades. Tendo por fio condutor esta idéia, é possível afirmarmos que, a partir do momento em que o objetivo passou a ser o atendimento do “Deus-Mercado”, para ser competitiva, a universidade (em especial os cursos de comunicologia) se organizou como uma linha de produção.
Em sala de aula, os alunos, cada vez mais preocupados com a obtenção de um emprego e tendo noção de algumas das leis de mercado, sabem que o mais recomendável é o bom comportamento. Em vez de idéias novas e atrativas, de reportagens investigativas e subversivas, eles são domesticados no manejo de ferramentas e de técnicas, com os seus bem-comportados professores carentes de espírito crítico. O sentido é progressivamente mais burocrático. Rebeldia, nem pensar.
Na última década, temos apontado aspectos do crescente processo de deteriorização do ensino de jornalismo. Criamos, inclusive, duas expressões para caracterizar este quadro cada vez mais caótico, onde ninguém sabe qual a direção e o sentido dos cursos. As faculdades de COMUNICOLOGIA precariamente realizam um esforço supremo para a manutenção e ampliação do ensino de SHOWRNALISMO. Currículos são maquiados. E para tal é preciso uma década de “estudos e reuniões”.
Enquanto os meios eletrônicos aceleram o processo industrial no jornalismo, as faculdades se movimentam como imensas tartarugas. Não estamos falando de adequação técnica (das velocidades), mas da lentidão (ou inexistência) de discussões que criticamente reflitam sobre a realidade.
Existem estudos que apontam para um quadro de crise global do ensino superior. Alguns dos aspectos examinados em vários artigos, assinados por “especialistas”, são infinitamente mais graves no ensino de COMUNICOLOGIA, tendo em vista que se trata, nada mais nada menos, do treinamento dos profissionais que serão responsáveis pela formação da opinião pública. Ou melhor, da destruição do sentido de cidadania e, conseqüentemente, da destruição da possibilidade de uma sociedade verdadeiramente democrática e aberta à pluralidade.
Não há como continuarmos negando a existência da relação, queiram ou não, entre a formação proporcionada aos jovens nos cursinhos de COMUNICOLOGIA e o atual SHOWRNALISMO produzido pela mídia corporativa, cuja característica básica é a produção de bens simbólicos que hegemonizam uma subjetividade reacionária. Na universidade, marcadamente nessa área, muitos dos mais arraigados defensores do STATUS QUO acadêmico são defensores de reformas e revoluções nos costumes, na economia, na vida social e na política. Alguns são desbragadamente “esquerdistas”. No entanto, paradoxalmente, são os que reacionariamente reagem contra qualquer mudança na estrutura de ensino. Não é possível a manutenção do discurso em defesa dos cursos “fantásticos” de um lado; e, do outro, um “fechar de olhos” que minimiza as terríveis conseqüências dos processos de maninpulação da grande imprensa. O jornalismo não mais exercido por vocação, mas pelo ensino de algumas técnicas, estabelece um quadro de absoluta hegemonia das políticas neoliberais. Temos um cenário com elementos avassaladores. E diante deste, não conseguimos nem mesmo romper com o bloqueio que impede o avanço de um simples debate. O quadro interno dos cursos é “fazemos de conta que ensinamos e vocês fazem de conta que aprendem”. A cada semestre, um batalhão de jovens recebe seus respectivos diplomas: COMUNICÓLOGOS.
Existe uma aceitação passiva das etapas anteriores de ensino. Não menos trágico é o fato de que a universidade está desvinculada dos ensino de primeiro e de segundo graus. Este aspecto, aparentemente sem importância, está ligado à outra questão igualmente grave: a aceitação de critérios de avaliação acadêmica baseados unicamente na titulação e no número de trabalhos publicados. A sala de aula conta muito pouco. Não se discute as práticas de ensino. O que existe é a reprodução da lógica do setor privado. Tudo é tratado como um problema de gestão. Há uma perda de identidade e de autonomia por parte dos professores. Uma absoluta ausência de princípios democráticos e de liberdade. Um permanente reforço dos privilégios e das desigualdades decorrentes da titulação. Um significativo avanço do poder das mentalidades burocráticas e, por conseguinte, uma perda de qualquer sentido de responsabilidade pública, de prestação de serviço público. Este quadro lamentável é complementado da seguinte forma: os professores que estão ingressando (cada vez mais jovens), na maioria das vezes, comportam-se como se fossem mais velhos dos que os velhos. Sonham fazer o mesmo caminho, na procura por títulos. O grande ideal é a reprodução de velhas idéias e práticas burocráticas. A hierarquia de títulos, reproduzida pelos jovens professores, impede a renovação.
É preciso que se responda às seguintes questões: o que um aluno de SHOWRNALISMO aprende em quatro anos de curso, cujos conteúdos não poderiam ser assimilados em seis meses de um cursinho técnico ou com o treinamento dentro de uma empresa? O que são exatamente estes cursos de publicidade e de relações públicas? Sem nenhum tipo de arrogância, afirmo que hoje obrigamos um aluno a quatro anos de curso, proporcionando uma formação inferior a um bom cursinho técnico. Os reflexos desta política educacional para a área de COMUNICOLOGIA, em especial do jornalismo, nunca é evidenciado, pois toca em questões do mais alto interresse das elites. QUALQUER MUDANÇA PROPOSTA QUE NÃO VINCULE O CURSO DE JORNALISMO AO DE CIÊNCIAS SOCIAIS, SERÁ UM GRANDE REMENDO. Falta ousadia. Não existem forças políticas capazes de implodir com o corporativismo. Não é por um capricho do destino que a Fabico (Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS) está no campus médico ao lado da Escola Técnica. Isolamento imposto no auge do período da ditadura. Não é possível continuarmos - ou até é - tentando encontar a fórmula mágica de atualização de um cursinho técnico. Qualquer estudante da área de ciências sociais, com algumas noções básicas de jornalismo, estará mais preparado para a atividade de um verdadeiro repórter.
Como bem assinala Marilena Chauí, no livro “Escritos sobre a Universidade”, existe em tudo isso um “reforço da privatização do que é público, na medida em que as universidades públicas formam pesquisadores com os recursos trazidos pela sociedade, mas os financiadores usam os pesquisadores para fins privados; portanto, ausência do princípio republicano da distinção entre o público e o privado (…), reforço da submissão à ideologia pós-moderna que subordina as pesquisas ao mercado veloz da moda e do descartável, portanto, abandono do princípio ético da racionalidade consciente e o princípio da responsabilidade social. ” Jornalismo é subversão. O que aí está é variedades, secos e molhados. O ensino de SHOWRNALISMO está de costas para o país real. No campo do adestramento dos “focas” para o Deus-Mercado, destinados a serem uma simples peça de reposição na máquina social, contentes quando conseguem um estágio, incluídos se são dóceis, recompensados com alguma bolsa se são servis, execrados se são rebeldes, punidos quando tentam desobecer, os atuais estudantes de SHOWRNALISMO são peças de um jogo. Do joguinho do CtrlC+CtrlV. Esmagados pelo LEAD. Não podem ter sentimentos, emoções, pensamentos próprios, subjetividades, pois que o sentido é da reprodução do comportamento burocrático dos adultos. Subserviência.
Quero encerrar esta descosturada e anárquica reflexão com uma idéia de Montaigne: “Quem busca sabedoria, que a busque onde se aloja; não tenho a pretensão de possuí-la. O que aí se encontra é produto de minha fantasia; não viso explicar ou elucidar as coisas que comento, mas tão somente mostrar-me como sou. Talvez as venha conhecer a fundo um dia, ou as tenha conhecido, se por acaso andei por onde elas se esclarecem. Mas já não as recordo. Embora seja capaz de tirar proveito do que aprendo, não retenho na memória: daí não poder assegurar a exatidão de minhas citações. Que se veja nelas, apenas, o grau de meus conhecimentos atuais. Não se preste atenção à escolha das matérias que discuto, mas tão somente a maneira porque as trato. E, no que tomo de empréstimo aos outros, vejam unicamente se soube escolher algo capaz de realçar ou apoiar a idéia que desenvolvo, a qual, sim é sempre minha. Não me inspiro nas citações; valho-me delas para corroborar o que digo e que não sei tão bem expressar, ou por insuficiência da língua ou por fraqueza dos sentidos. Não me preocupo com a quantidade e sim com a qualidade das citações. Se houvesse querido tivera reunido o dobro”.
Não perco de vista esta outra idéia expressa por um rebelde aluno: “este ensino é o ensino da covardia

5 comentários:

Jens disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Jens disse...

Oi Marcelo:
dia destes um estudante de jornalismo, em vias de se formar, me disse que não leu e nem pretende ler Nietzche e Doistoiéviski. "O que eles sabem da vida que eu não sei?", me perguntou o jovem gênio. Estarrecido, nada respondi. Voltei para a companhia do velho coronel Jack Daniel´s. A ignorância venceu.
Um abraço.
(O comentário aí de cima quem excluiu fui eu. Erros re revisão).

BirdBardo Blogger disse...

A burrocracia e o poderio dos conservadores sobre a opnião pública é grande, mas também cabe ao indivíduo romper as suas amarras e tornar-se um espírito livre.

Loba disse...

Pois é, Marcelo, parece que há umc asamento perfeito! Escolas que direcionam o ensino para as leis de mercado e alunos que pouco sonham além de fazer parte uma determinada rede midiática.
E o espírito livre vira História!
Um beijo, professor!

Cris disse...

Mas ainda existem os Quixotes ,professor.

Beijão.