quarta-feira, 11 de março de 2015

Carla



Carla engravidou aos 17. Mal teve beijo; só boquete. Foi no banco de trás do carro. Chupou até o talo. Márcio disse que não tinha camisinha. ‘Põe na bundinha’, Carla pediu. Não foi atendida. Foi comida pela buceta e a treta não é nem essa. A treta foi a pressa com que o pai sumiu. ‘Cadê, Márcio? Ninguém sabe, ninguém viu.’

Márcio abortou.

Carla, em desespero com o sumiço, com o paradeiro do desserviço masculino, saiu por aí. Feito zumbi ficou dias sem dormir, vomitando por lá, por aqui.

Já de três meses, desistiu de encontrar o pai da filha. Contou pra família. Da mãe Irene levou um tapa. Do pai, nada. Nem abraço, nem risada. Nem conforto, nem piada de vô. O próprio pai, Carla nunca conheceu.

Hélio desapareceu. Dezoito anos atrás, deixou a noiva Irene grávida e se mandô. Hélio abortou.

‘Eu te criei pra ser diferente de mim. Não pra ser estúpida sem fim. Você não cansa de cometer os mesmos erros que eu, sua filha da puta?’ - Não deu pra se fazer de surda. Carla carregou pra si dupla culpa. A mãe estava decepcionada. Decidiu que para aprender com a jornada, Carla deveria encarar as consequências sozinha. Como fez a própria com a pequena Carlinha; ainda nos braços.

‘Só assim ela vai aprender.’

Assim Carla conheceu seu terceiro aborto. Foi expulsa de casa.
Com uma mochila nas costas e uma filha no ventre, a garota cedeu ao caos. Depois de três dias de rua, decidiu que ficaria nua pra levantar o necessário. Ficou de quatro pra cada otário que é impossível contar nos dedos.

Os medos, Carla teve que engolir. Teve que aceitar o partir de Márcio, como foi o do pai. Descobriu que há um mundo em que a tristeza não se esvai.

Viu a barriga crescer tendo um viaduto como teto. Por certo, torcia pra que ele desabasse. De preferência que não sobrasse nada dos dois corpos. O nem nascido e o emagrecido dela própria.

‘Sai da minha frente, sua demente.’ Vociferou o motorista quando Carla atravessou a pista fora da faixa com uma caixa de papelão. Eram fraldas, cachaça, calcinha suja e uns documentos que um dia serviriam pra alguma coisa. Se esse dia chegasse.

Em certo ponto,Carla não era mais menina. Por sina, chegou aos dezoito, mas não passou disso. Também não teve o quarto aborto. Seu corpo foi encontrado morto antes do nono mês.

Agora vamos jogar limpo. Quem se importa menos com Carla: eu ou vocês?

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E como diz a grande Vais: agora, o som!



4 comentários:

Vais disse...

ah, Marcelo, que barato, desde essa sua última postagem, que vi atavés do fb, e passei pra atualizar minha leitura neste seu Resumo, aí me vejo sendo citada, namastê querido professor Marcelo.
vou às leituras
abraço forte!

Vais disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Vais disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Vais disse...

verdade pedrada da Carla, a gente chora a dureza das vidas, é assim que acontece, 'tem que ralar tem que sofrer pra aprender a viver'. romper com o ciclo da tragédia há que se ter sensibilidade e muito amor, poxa vida.

do Som! the final cut é o disco que mais escutei deles e o que mais gosto, vinilzão numa radiola.

grande abraço