Olhou o céu
nublado às 23 horas da noite, as gotas caíam como bombas em seus ouvidos e
clarões explodindo raízes eram dispersadas sobre a vastidão de deus e das
nuvens baixas. Tudo se liquidificou e ele sentiu uma comoção inesperada,
daquelas que vem brotando desde a transpiração até a dor prazerosa que entulha
a garganta e desafoga o plexo solar. Deixou-se encharcar por vinte minutos mais
ou menos e dispôs-se, ele mesmo, a encharcar o lado de fora com o puro sal do
corpo.
Estava pleno. A dor também tem dessas coisas de satisfação, uma companhia
em dias de pura solidão e reconhecimento. E foi nesse estado amalgamado, entre
o mofado e a beleza do retrô, que ele entrou na noite, sucumbido pela
excelência do acaso e da esperança no “tudo pode acontecer”. Precisava
externar, compartilhar, doar. Entrou na noite e estava pleno, depois de um bom
banho e um bom perfume. Ar nos pulmões como lixo tóxico. Pleno. Precisava
acreditar em clichês e em auto-ajuda, precisava ter fé no depositário da frase depois da tempestade vem algo bom ou
depois da chuva, as estrelas, depois do sal, o açúcar e assim, desse jeito
pleno e desesperado, saiu na noite a procurar um bálsamo, um lugar-comum, uma
sessão-da-tarde.
E lá estava ela, absolutamente maravilhosa naquele vestido preto de
caimento sincero. A música vinha das caixas parafusadas nas paredes laterais,
volume médio. Ele sentou e pediu uma coca-cola, que é para não perder a
compostura e nem ficar com bafo de álcool. Só exigiu que fossem poucos os gelos
no copo para não aguar a bebida. Sim, uma fatia de limão seria ótimo, obrigado.
Ela estava com mais uma – amiga?, amante?, prima?, chefe?! – mulher ao
lado, igualmente linda, mas sem aquele vestido sincero e espetacular em todo o
seu caimento. Pediu mais um refrigerante, desta vez sem o limão. Permitiu o
acréscimo de mais gelo; arrependeu-se, mas já era tarde.
Olhou a coca-cola e o gelo
desencontrarem-se até virarem outra coisa, aguada, chata, sem brilho, e decidiu
que já era hora de alguma aproximação. Levantou da mesa, dirigiu-se até as
mulheres que gargalhavam sobre o que ele não sabia e talvez nem quisesse.
“Posso sentar aqui com vocês um pouco?”
“Não pode, não”! E esta expressiva e
imprópria negação fê-lo virar para trás numa curiosidade automática de quem quer
apenas o seu quinhão num universo cheio de supernovas.
O soco foi tão certeiro e o pisão, depois, tão preciso e cirúrgico que só
acordou na enfermaria, gaze, esparadrapo e a frustração da epifania. Queria
achar deus ou o destino e contemplá-lo. Não passou de uma noite sem
significância. Sem luzes, estradas ou auto-ajuda. Só ele. Um coração partido e
um dente a menos.
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