terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Um coração partido


Olhou o céu nublado às 23 horas da noite, as gotas caíam como bombas em seus ouvidos e clarões explodindo raízes eram dispersadas sobre a vastidão de deus e das nuvens baixas. Tudo se liquidificou e ele sentiu uma comoção inesperada, daquelas que vem brotando desde a transpiração até a dor prazerosa que entulha a garganta e desafoga o plexo solar. Deixou-se encharcar por vinte minutos mais ou menos e dispôs-se, ele mesmo, a encharcar o lado de fora com o puro sal do corpo.
 Estava pleno. A dor também tem dessas coisas de satisfação, uma companhia em dias de pura solidão e reconhecimento. E foi nesse estado amalgamado, entre o mofado e a beleza do retrô, que ele entrou na noite, sucumbido pela excelência do acaso e da esperança no “tudo pode acontecer”. Precisava externar, compartilhar, doar. Entrou na noite e estava pleno, depois de um bom banho e um bom perfume. Ar nos pulmões como lixo tóxico. Pleno. Precisava acreditar em clichês e em auto-ajuda, precisava ter fé no depositário da frase depois da tempestade vem algo bom ou depois da chuva, as estrelas, depois do sal, o açúcar e assim, desse jeito pleno e desesperado, saiu na noite a procurar um bálsamo, um lugar-comum, uma sessão-da-tarde.
 E lá estava ela, absolutamente maravilhosa naquele vestido preto de caimento sincero. A música vinha das caixas parafusadas nas paredes laterais, volume médio. Ele sentou e pediu uma coca-cola, que é para não perder a compostura e nem ficar com bafo de álcool. Só exigiu que fossem poucos os gelos no copo para não aguar a bebida. Sim, uma fatia de limão seria ótimo, obrigado.
 Ela estava com mais uma – amiga?, amante?, prima?, chefe?! – mulher ao lado, igualmente linda, mas sem aquele vestido sincero e espetacular em todo o seu caimento. Pediu mais um refrigerante, desta vez sem o limão. Permitiu o acréscimo de mais gelo; arrependeu-se, mas já era tarde.
           Olhou a coca-cola e o gelo desencontrarem-se até virarem outra coisa, aguada, chata, sem brilho, e decidiu que já era hora de alguma aproximação. Levantou da mesa, dirigiu-se até as mulheres que gargalhavam sobre o que ele não sabia e talvez nem quisesse. “Posso sentar aqui com vocês um pouco?”
         “Não pode, não”! E esta expressiva e imprópria negação fê-lo virar para trás numa curiosidade automática de quem quer apenas o seu quinhão num universo cheio de supernovas.
O soco foi tão certeiro e o pisão, depois, tão preciso e cirúrgico que só acordou na enfermaria, gaze, esparadrapo e a frustração da epifania. Queria achar deus ou o destino e contemplá-lo. Não passou de uma noite sem significância. Sem luzes, estradas ou auto-ajuda. Só ele. Um coração partido e um dente a menos.


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