quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Rocket Man

Desceu do carro e contemplou o inevitável. O mar batia nas pedras como apedrejamento. Fumaças d’água deixavam o caminho embaçado. Nuvem alguma no céu, todas elas no mar. Deixou-se receptivo por vários minutos. Alguma coisa de encanto ou canto de Loreley o abraçara. O pen drive espetado no som do carro sussurrava Streets of Philadelphia e seu corpo era todo Vento no Litoral. Caminhou lentamente em direção às ondas, queria ser chicoteado, lavado, descarregado; queria arrancar na porrada a tristeza, os sonhos inúteis, recuperar o velocípede, a 1ª bicicleta, o útero. Precisava nascer de novo ou ser outro poema, outra canção, outra pista de corrida. Caiu sentado na primeira pedrada. Sorria mais como uma absorção muscular do que um movimento proposital. A segunda pedrada o arrastou para longe. Levantou-se e ergueu muralha. Deixou-se um longo tempo assim, perfeitamente condensado e absorvido, como tatuí. As pernas doíam quando abriu a porta do carro. A metáfora da canção e do pensamento popular, indissolúvel, paradoxal, servira apenas como um bálsamo pilantra e vilipendiado, mas bálsamo. Um certo conforto ao afundar no banco do carona afastou pensamentos fragmentados. Alguma cãibra repentina, uma careta de dor e desprezo, um asfalto quente, mas quando, quando isto não é vida, afinal? O piano de Beautiful Boy e a maravilhosa voz do John vibrou no veículo. Seu filho apareceu como um relâmpago, a lembrança fora tão forte que pareceu materializar-se a sua frente. Agora era pai e mãe ao mesmo tempo ou Tudo ao Mesmo Tempo Agora. Percebeu o vento que nascia no sudeste. “Eu também te amo, meu filho!”. Repetiu a música. John estava certo: “Vida é o que te acontece enquanto você está ocupado fazendo outros planos.” E chorou.

4 comentários:

Jens disse...

Angústia, angústia, angústia... Como diziam meus companheiros de delinquência é preciso aguentar o cadeiração. Nem sempre é possível. Resta, então, chorar.

Um abraço, professor.

Jens disse...

Ops, cadeiraço!
Sorry.

Cris disse...

Oi, Marcelo,

Fazer parte - mesmo afastada - da blogosfera é gratificante por ter pessoas sensíveis como você para encontrar e ler as manifestações.

Beijão.

Cris disse...

Oi, Marcelo,

Fazer parte - mesmo afastada - da blogosfera é gratificante por ter pessoas sensíveis como você para encontrar e ler as manifestações.

Beijão.