“E como estão os seus filhos? Devem estar enormes! E a esposa?”
“Estou separado faz três anos.”
“Nossa! A gente não se encontra há tanto tempo! Eu também me
separei, não estava dando certo.”
E foi com este esbarrão na Avenida Presidente Vargas que um traço
de pólvora fora derramado naquela crepitante conversa. Umas
formulações de palavras simples, mas reveladoras. Wish i Could
Fly, do Roxette, tocava na banca de jornal em frente. E talvez
por ser ela, ao invés do Sinal Fechado, do Paulinho da Viola,
a vontade de um outro encontro de consequências tão bregas quanto
Roxette fez-se imponente.
E houve o encontro e mais outro de igual constância e desejo. Houve
o momento da troca de olhares e sorrisos sem palavras que sempre
querem dizer muito sem precisar de sons ou gestos largos. E houve o
sexo, a foda, a transa e o amor, teve rapidinhas também, teve
prazeres na medida e noites em quartos de hotel que ninguém ousou
dormir. Houve dias de chuva com as crianças presas na sala fazendo
uma algazarra poderosa e dias ensolarados de passeios na Quinta da
Boa Vista e no Jardim Botânico. Houve dias realmente difíceis.
Houve momentos totalmente mágicos.
Houve prudência também, cuidado no tatear o espaço do outro e uma
certa preocução em não pisar nos pedaços de vidro deixados por
outros relacionamentos, preocupação em não colher nada que já
tenha caído do pé, inclusive as palavras que não foram ditas e
que, naquele momento, para nada serviam. Claro que nem tudo era
possível evitar. Não inventaram um modo de se prever a rajada de
vento trazendo uma decisão infeliz, uma frase arenosa.
Mas quem se banha no mesmo rio duas vezes? Não a filosofia. Eles
tampouco. Portanto, mesmo com outros relacionamentos na bagagem, o
livro estava sendo escrito outra vez e, como o percurso da gota
d'água deslizando nas costas da mão, caminhos caóticos são
traçados em oposição à escolha passada. E assim foram desbravando
outras possibilidades.
Mas foram bons tempos e eles até alugaram uma casa de veraneio na
subida da serra; uma fuga-clichê pra trepar no tapete em frente à
lareira e comer fondue. Ela reclamou do cheiro do tapete e afirmou
que pinicava, ele valorizou a sua dor nas costas, mas ela disse que
isso era a obesidade, não o chão duro. E foram tempos de rara
embriaguez e caos controlado. E houve muito suor no tapete por este
tempo.
Hoje estão mais grisalhos. A febre dos anos 90 dera lugar a um mundo
cheio de paranoias e pouco iluminado. A virada do século não trouxe
conforto pra ninguém, muito menos avanços na capacidade de se olhar
o próximo.
Mas eles estavam juntos.
E ele continuava obeso.
3 comentários:
Foi a música sim. Aposto!
Foi a música sim. Aposto! Riscou a pólvora e ... Foi.
Ahahahaha! Foi a música. Desconfio
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