sexta-feira, 17 de junho de 2011

O COLOCADOR DE PRONOMES - Monteiro Lobato


O COLOCADOR DE PRONOMES - Monteiro Lobato


Já expliquei anteriormente que a série Nocautes foi pensada há algum tempo, mas só agora está sendo levada adiante. As dez narrativas foram listadas pela primeira vez em outubro/2009. Porém, o conto ora discutido (O colocador de pronomes*) tem tudo a ver com recente falsa polêmica - mais uma! - envolvendo o uso da língua portuguesa, graças à celeuma criada em torno de um único trecho do livro Por uma vida melhor.

Como se sabe, Monteiro Lobato irritava-se frequentemente com os "ignaríssimos ' alhos ' gramaticais" - a expressão é dele - empenhados em fiscalizar e determinar o modo "correto" das pessoas se expressarem por meio do idioma. Para o criador do Sítio do Picapau Amarelo:

"Não há lei humana que dirija uma língua, porque língua é um fenômeno natural, como a oferta e a procura, como o crescimento das crianças, como a senilidade, etc. Se uma lei institui a obrigatoriedade dos acentos, essa lei vai fazer companhia às leis idiotas que tentam regular preços e mais coisas. Leis assim nascem mortas e é um dever cívico ignorá-las, sejam lá quais forem os paspalhões que as assinem. A lei fica aí e nós, os donos da língua, nós, o povo, vamos fazendo o que a lei natural da simplificação manda [...]" **

Em O colocador de pronomes, o protagonista, Aldrovando Cantagalo (que nome!), representa um desses sujeitos pelos quais Lobato tinha horror. O conto começa com uma anedota e termina com outra (mas não vou contá-las), ambas relacionadas ao emprego de pronomes pessoais:

"Aldrovando Cantagalo veio ao mundo em virtude dum erro de gramática.
Durante sessenta anos de vida terrena pererecou como um peru em cima da gramática.
E morreu, afinal, vítima dum novo erro de gramática".

Contaminado por uma "incurável sarna filológica", o personagem, obcecado pelos"alfarrábios freiráticos do quinhentismo", não possuía nenhum espírito científico; apenas se aferrava às normas fixadas por autores portugueses falecidos muitos, muitos anos atrás: "Aldrovando nada sabia do mundo atual. Desprezava a natureza, negava o presente. Passarinho, conhecia um só: o rouxinol de Bernardim Ribeiro".

Para o professor Cantagalo, o idioma era "um tabu sagrado" e os brasileiros não sabiam utilizá-lo:

"E não lhe objetassem que a língua é organismo vivo, e que a temos a evoluir na boca do povo.
- Língua? Chama você língua à garabulha bordulenga que estampam periódicos? Cá está um desses galicígrafos. Deletreemo-lo ao acaso.
E, baixando as cangalhas, lia:
- Teve lugar ontem... É língua esta espurcícia negral? Ó meu seráfico, como te conspurcam o divino idioma estes sarrafaçais da moxinifada!"

O bom humor da narrativa vem justamente daí: é resultado das palavras e frases rebuscadas (e anacrônicas, arcaicas até), ditas por Aldrovando (e algumas vezes também usadas pelo narrador, em tom irônico). A acumulação e exageração destas acabam por gerar ótimo efeito cômico.

E os pronomes?

"Os pronomes, ai! eram a tortura permanente do professor Aldrovando. Doía-lhe como pauladas vê-los por aí pré ou pospostos contra regras elementares do dizer castiço. E sua representação alargou-se nesse pormenor, flagelante, concitando os pais da pátria à criação dum Santo Ofício gramatical".

E por causa de uma ênclise, ao invés de uma próclise - alguém aí se lembra das nem sempre agradáveis aulas de sintaxe? -, Aldrovando acabou morrendo...

É melhor, entretanto, que você mesmo procure e leia este divertidíssimo conto.

Na próxima postagem, Missa do Galo (Machado de Assis)


* Essas declarações do autor foram extraídas de uma Ligeira nota sobre a ortografia de Monteiro Lobato, publicada na edição do livro abaixo referenciado.

** LOBATO, Monteiro. O colocador de pronomes. In: ___________. Negrinha. São Paulo: Brasiliense, 1994. p.113-127

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Parabéns!

A vitória do Vasco da Gama, ontem, em plena Curitiba, foi, antes de tudo, uma vitória de muitas andanças e sonhos. Foi quase uma vitória juvenil, fruto dos manifestos e passeatas que povoam as nossas memórias como um desvirginar da alma.

Sim, a conquista, merecida, do meu arqui-rival, do meu oposto, foi, sobretudo, uma conquista celebrada por uma parte de mim que ainda vive escondida neste corpo gasto e desiludido.

O Vasco ganhou um título, mas o que ele representou foi muito maior. Foi a defesa de uma tese cujo título seria assim: “Não é preciso ser bandido para liderar – regras de como administrar sem ser um filho-da-puta.”

Este Flamenguista rubro (e Mangueirense roxo!), humildemente, saúda a família vascaína e ao Sr. Roberto Dinamite pela belíssima prova de humanidade.

Atenciosamente,

Marcelo.