segunda-feira, 29 de abril de 2013

O incenso e os seios


                Eles se conheceram foi na praia, mesmo, um sol maravilhoso pela manhã e um puta inferno na hora do almoço. Ele estava com a rapaziada de sempre e pernoitado como nunca. Você sabe como é: “todo mundo espera alguma coisa de um sábado à noite” e eles saíram para a noitada como sedentos no deserto em busca de um oásis. Beberam vodca, vomitaram a bílis, depois beberam duas garrafas de red label (com letras minúsculas, mesmo! Respeito só a partir dos 12 anos) com energético – mais porque esta no modismo contemporâneo do que pelo gosto.
                Foi às cinco da manhã que alguém teve a euforia idiota de ir para a praia, tomar umas cervejas, cochilar na areia, descolar uma boyzinha, bronzear-se. Não dava tempo de passar na casa de todo mundo, logo, foram à casa do dono do carro, tomaram um banho rápido, roubaram as bermudas do amigo e dois chinelos, um tênis e uma sandália; alguém foi descalço. Foda-se, tudo era festa. Romão reclamou que deram uma bermuda que, nele, parecia um short dos anos 80 enfiado na bunda. Ninguém ligou para o pobre Romão.
                 A água, salgadíssima, estava deliciosamente gelada, o que deu uma ótima sensação de alívio no cansaço e motivação para uma rodada de cerveja igualmente gelada. Pontes, o motorista, resolveu que deveria desmaiar um pouco depois de ingerir água e nada de álcool por questões óbvias; Pedro, que mais se hidratou do que se embebedou, foi quem estava disposto e beber cerveja e, claro, conhecê-la. Foi assim, simples como qualquer conversa carioca. Poderia ter sido na noite da Lapa, na manhã de Santa Tereza, no Alto da Boa Vista, num pagode na Baixada, numa rave em Campo Grande, mas foi numa praia ensolarada e com uma das personagens pernoitada exibindo uma latinha de cerveja.
Ela estava linda naquele biquíni amarelo e com aqueles cabelos queimados nas pontas. Nossa, que sorriso! Ele olhava para os seios dourados mas sentia mesmo era uma vibração esquisita, um entrelaçamento de auras. Ele sorriu também e ela gostou muito do que viu e ouviu. Talvez tenha sentido algo, porém, nunca escancarou; ele, sim. Ele fala disso sempre – talvez porque, dos dois, seja o mais místico, desses que acendem incenso e ouvem Chopin para balancear as energias –, principalmente quando toma umas muitas e outras mais. Ela acha graça e continua sorrindo aquele sorriso que o magnetizou. Pedro fala disso também. É o amor dele ou como ele encara isso de amar alguém desse jeito. Ela diz que ele gostou, mesmo, foram dos seios absolutamente e a vibração de que fala era, na verdade, a ereção vinda de outras energias, mais pueris do que essa que Pedro declama. Claro, ela fala isso da boca pra fora, pois fica realmente encabulada com o fato dele ser tão verdadeiro e de não sentir medo de ser feliz. E Ele não sente medo de ser feliz.
Eles não tinham uma música específica, apesar de gostarem “parecidamente” dos estilos. A música foi decidida num momento de discórdia, numa briga severa que tiveram depois de muita bebedeira e alcatra mal passada ao alho. Ele diz que eles se gostam até quando se odeiam e, tanto é verdade, que até música surge. Não, não é preciso dizer que ela sempre sorri. Ele cantarola para todos saberem qual música: “Vou pedir pra você voltar. Eu te amo, eu te quero bem”. Claro que com Tim Maia tudo fica melhor.
Ela continua dizendo que foi culpa dos seios. Ele continua acendendo incenso e falando de aura.
Eles continuam juntos.


quinta-feira, 25 de abril de 2013

Você Abusou



Cinco bilhões de dólares será o lucro estimado da Senhora FIFA aqui em Terra Brasilis. Isto significa 35% do que foi lucrado em 2010 e 110% do que se ganhou em 2006. Um bilhão do montante será embolsado devido a isenção de impostos. Sim, é verdade, a FIFA não pagará nenhum imposto por aqui, ao contrário do povo que habita neste espaço. Está tudo na coluna do Juca Kfouri, é só conferir.

E eu não quero falar de FIFA, acho que esta será a menor das nossas dores de cabeça. As olimpíadas no meu Rio de Janeiro será algo muito mais escandaloso, é esperar para ver. Eu quero mesmo é colocar as "tuitadas" da Seleção Brasileira!

Está lá, no blogue do Gian Oddi, no portal da ESPN Brasil. Eu reproduzo aqui.

OBS.: Não, esta bola aí da foto é a da Copa do Brasil... Mas não deixa de ser ridícula.



Vocês pediram, elas voltaram. Sem enrolação, eis o melhor do Twitter durante o amistosaço entre Brasil x Chile.

@DarkRonaldo
Cesar Menotti e Fabiano transformando o hino brasileiro em um hino depressivo.

@lbertozzi
Não sou eu cantando o hino, amigos

@dkotscho2
Nao contente em cantar mais devagar ainda canta as duas partes....

@DarkRonaldo
Juro que vi a Maria Gadú ali na seleção do Chile!

@mauro_beting
Podiam convidar a Vanusa pra cantar o Hino do Chile

@Oledobrasil
Neymar cavou falta durante o hino nacional.

@achrispin
Bola colorida sem neve, assim como futebol-arte, escanteio curto, coração aberto e amor platônico, é coisa de viado.

@danieltozzi
Segue a pergunta: vc aceitaria um cheque de alguém chamado Johnny Herrera?

@Oledobrasil
Valdivia não joga porque derrubou uma meia molhada na coxa e sentiu uma antiga contusão.

@101greatgoals
Dinho is captain and they're playing with an orange ball. #ItsNotSnowing

@mart_fern
É do Chile o primeiro gol que a seleção brasileira sofre num estádio de Copa

@Oledobrasil
Felipão curtiu Catho Online.

@fabio_seixas
Vi essa bola laranja pra vender hj no supermercado, ao lado do baldinho de praia e da geladeira de isopor

@dkotscho2
Brasileiro so vai respeitar cadeira numerada quando der choque sentar no lugar errado.

@achrispin
Felipão homenageia o seu ídolo Pinochet e tortura a paciência ds brasileiros apanhando do Chile.

@jjuvencio
Futebol do Brasil mais feio que o Ronaldinho.

@DarkRonaldo
Foi a filha do Dunga que desenhou essa bola do jogo de hoje?

@AndreBarcinski
Festival de axé, jogo da seleção... Quem está fazendo a programação do Mineirão, o Joselito?

@dkotscho2, pé quente, 26 segundos antes do gol do Brasil:
Boa noite amigos...ja vi o bastante.

@fredgol9, empolgadão sabe-se lá com o quê:
GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOL!!!!

@mauro_beting
Uma seleção que escala Johnny Herrera deveria ser proibida pela Convenção de Genebra de disputar uma Copa do Mundo

@davidbutter, após pênalti não marcado para o Chile:
Algo já parece entrosado para 2014: o apito amigo

@fepassilva
A cor da camisa do Brasil é Amarilla!

@romulomendonca
É muito coxinha para pouco tropeiro neste Mineirão.

@DarkRonaldo
Acho legal que o Chile tenha contratado o Andre Agassi pra ser técnico da seleção de futebol.

@achrispin
Farei neste momento o que Ronaldinho está fazendo em campo: dormir.

@jjuvencio
Neymar por cima do gol. Ah se fosse o Figueirense...

@DarkRonaldo
Esse até o Maikon Leite fazia hein Neymar...

@Ps_Libertadores, cheio de timing, 33 segundos após o gol perdido por Neymar:
TALENTO PURO. El mejor compilado de jugadas de Neymar. Video: bit.ly/14U8UDE

@PCAlmeida
Felipão querendo agradar os mineiros: Dedé do Cruzeiro, Rever do Atlético-MG e o futebol do América

@mauro_beting
Está na hora de reinagurar a Seleção Brasileira. Se possível, sem superfaturamento.

@DarkRonaldo
Sthefany Brito está de olho no % que vai levar do bicho que o Pato vai receber por jogar hoje

@JulioSheeeD
"O Pato em Forma", "O Adriano com vontade". Personagens do folclore brasileiro.

@mauro_beting
Boa noticia pro palmeirense. 3 segundos em campo, Henrique ainda não se lesionou. Leandro também está respirando no banco de reservas

@ecolombari
No segundo tempo, o Chile continua o mesmo: atrás da Argentina, passando a Cordilheira dos Andes, na beira do Pacífico

@anunesrocha
Esse dilema "Kaká ou Ronaldinho" é fácil de resolver. Leva Oscar e Jadson.

@JulioSheeeD
O @vitorsergio lembrou de outro grande personagem do folclore. O "Luís Fabiano com-a-cabeça-no-lugar".

@samara7days
Depois do Pato ter que dar R$ 50 mil todo mês para Sthefany Brito, uma bolinha para o Neymar é nada!

@FChiorino
Alexandre Pato diria que a pensão, ops, a pressão não entra em campo #Brasil

@alexmassi
A esposa do Galvão deve estar com ciúmes do Pato.

@jampa
O Mundo é dos brasileiro com muito orgulho e muito amor?

@renan_tondato
Torcida de MG ja xingou jogador e cantou 'eu sou brasileeeiro'. Assim não sobra nada pra torcida de SP fazer na abertura da Copa

@Oledobrasil
Gol do Chile: Maria Gadu

@fabio_seixas
Sejamos justos: em apenas 4 jogos, Felipão já deixou a seleção parecida com o Barcelona

@MANCHETEREVISTA
Gooool do Chile: Marcelo Salas

@jjuvencio
Cristiano Osvaldo vem aí. Ouço barulho de caixas registradoras.

@mauriciostycer
Com Felipão, Brasil só ganhou da Bolivia. "Ou seja, não ganhou de ninguém", observa Galvão. Amanhã, Evo Morales chama o embaixador de volta


@impedimento
Informação: Jorge Sampaoli percorreu mais kms que Ronaldinho na partida.

@Oledobrasil
Agradecemos a todos que gritaram o nome do Olé no Mineirão.

@leandrobeguoci
O Felipão vivia pedindo camarão para o Tirone. Agora que ele tem, ele faz churrasco de camarão, coloca catchup nele. Vai entender...

@calhau
Sósia de Ronaldinho Gaúcho se movimentando mais na arquibancada que o original no campo.

@mauro_beting
Só o Amarilla se salvou hoje na Seleção


@csa_ltr
Para conter as vaias, Felipão poderia lançar Bruna Marquezine no lugar do Neymar.


@DarkRonaldo
E o Felipão conseguiu transformar a seleção num grande Palmeiras.





terça-feira, 23 de abril de 2013

O Paradoxo da Euforia



“Vamos falar de pesticidas e de tragédias radioativas, de doenças incuráveis, vamos falar de sua vida.”
           Assim Renato Russo começa a ótima Natália, primeira música do álbum A Tempestade ou O Livro dos Dias. Falava ele, suponho, da angústia que precede o final, o sofrimento que vem da certeza de que tudo irá acabar (A escuridão ainda é pior que essa luz cinza). Claro, o velho Manfredini estava falando dele e da AIDS, mas é inegável que a música, depois de jogada ao vento, torna-se um organismo vivo, transformador e interpretativo de qualquer pessoa, não importando mais o que o autor primeiro quis dizer.
           Acho que, por isso, Natália vai me servir como mote para uma pergunta: o paradoxo das olimpíadas de 2016 foi finalmente metamorfoseado em Arthur Zanetti?
          Não é fácil acreditar que um medalhista como Arthur pretenda defender outra bandeira, outro país, justamente no ano em que a pira olímpica estará no coração do Rio de Janeiro. Por quê?
         Porque, meu caros e poucos leitores, enquanto os nossos estádios despejam milhões de Reais em concreto e ferro, em lobby e conchavo, os atletas, como Arthur, precisam dividir o seu treinamento, em ambiente precário e absurdo, com outras crianças e iniciantes de um esporte mal amado e sombrio aos olhos dos nossos governantes. Nem a medalha conquistada pelo jovem Zanetti melhorou o desempenho do governo da sua cidade; a comida ainda é trazida em quentinhas e a estrutura de treino é ridícula.  Depois da conquista, mais crianças procuraram, óbvio, inscrever-se para treinar e aprender a modalidade laureada por Arthur. Conseguiram? Não, não havia como suportar a demanda em ambiente tão hostil.
           Enquanto isso, os ótimos e perfumados idealizadores do novo Maracanã (O José Trajano acha que deveria ser reinaugurado sob um novo nome: Maracutaia), com a ajuda do (des)governo do Rio, que continua lindo somente para os seres mitológicos e nórdicos que compram tudo e não realizam nada, constroem o concreto gigante na “feia fumaça que sobe apagando as estrelas”, derrubando museus, expulsando índios, acabando com escolas, a fim de que tudo vire uma imensa Disneylândia. Trajano esta certo, é preciso que se tire a estátua do Luiz Bellini dali e coloquem uma do Thor... Ou do seu pai.
             “Preste atenção ao que eles dizem: ter esperança é hipocrisia, a felicidade é uma mentira e a mentira é salvação.”
          Claro que o velho Maraca ficará de pé, mas a sua pista de atletismo e os encantos do entorno... Aliás, alguém conseguiria me explicar como tantos milhões públicos foram gastos para, no final de tudo, ser dado à iniciativa privada? “A escuridão ainda é pior do que essa luz cinza”? Depois de tudo e de todos, tudo o que se gastou com todos os milhões saídos dos cofres públicos, ou seja, nosso dinheiro, haverá uma licitação (cartas marcadas? Sempre) para que empresas acopladas usufrua do estádio e do que construirão no entorno por 35 anos. Sim, eu disse 35 anos! 35 e um investimento de 600 milhões de Reais. Isso dá aproximadamente 17 milhões por ano. É muito? Achei uma pechincha... Salve Jorge! Salve Odin! Salve Thor!
             Enquanto isso, a estrutura para os nossos atletas treinarem é praticamente risível.
           “É preciso acreditar num novo dia, na nossa grande geração perdida, nos meninos e meninas, nos trevos de quatro folhas.”
           Tenho a séria impressão de que passaremos a maior vergonha nessas olimpíadas. Mas quando foi diferente em se tratando de investimento esportivo? Vai sim, Zanetti! Vai ganhar o seu pão com alguma dignidade. Vai amar quem te ama!
              “Quem sabe um dia eu escrevo uma canção pra você?”





sexta-feira, 19 de abril de 2013

Não chore, Marin!



18 de abril de 2013



Quem chora somos nós. Chora a nossa pátria, mãe gentil.

Choram Marias e Clarices no solo do Brasil.

E choramos pela miséria a que está reduzido o nosso futebol, sob esta CBF dirigida tal e qual fosse pela dona de um bordel.

Por mais que saibamos que temos talento para virar o jogo, por mais que mantenhamos a esperança equilibrista.

Porque, se o show de todo artista tem de continuar, é constrangedor vislumbrar a cena de terça, quando a tarde caía feito um viaduto na sede da Casa Bêbada do Futebol, trajando luto e sem lembrar de Carlitos, o nosso Mané Garrincha.

Eram 27 cartolas de chapéu-coco, todos com brilho de aluguel.

Todos submissos, menos o que não foi, o presidente da federação mineira, talvez por tentar se equilibrar de sombrinha.

Como se fossem os irmãos do Henfil, os repórteres Leandro Colon, Martín Fernandez e Sérgio Rangel tinham publicado no mesmo dia, nesta Folha, a incrível história do prédio que custava R$ 39 milhões e foi comprado por R$ 70 milhões.

Fora os vazamentos com a voz de Marin humilhando o coletivo dos presidentes das federações estaduais, todos dispostos a fazer cena antes da assembleia para, depois de bons uísques, aprovar tudo por unanimidade. Não sem antes receber cheques entre R$ 100 e R$ 400 mil, para compensar a mesada, que é menos da metade do que recebem os atuais donos da CBF.

Evidente que tudo isso reflete diretamente em nossos campeonatos sem torcida e com audiência em queda e numa seleção que não comove mais o torcedor.

Canastrão, Marin não engana nem com suas lágrimas de crocodilo nem com sua simulada irritação.

Ao dizer que só sairá morto da CBF não lembra Getúlio Vargas, mas Chaves, o mexicano, do seriado da televisão.

Ninguém quer que Marin morra, ou que, aos 80 anos, seja preso.

O que se quer é que ele deixe nosso futebol, volte a desfrutar da vida com tudo o que amealhou nos tempos da ditadura a que serviu --como os documentos do SNI revelam sobre ele, segundo informaram, no UOL, do Grupo Folha, os repórteres Aiuri Rebello e Rodrigo Mattos.

Será demais pedir a cada estrela fria que Marin parta num rabo de foguete, se não para Boca Raton, como o colega que fugiu, mas, tudo bem, para Nova York, onde também tem luxuoso apartamento?

É que o futebol brasileiro anda de luto, chupando manchas torturadas, incapaz daquelas velhas irreverências mil nas noites, e nas tardes, do Brasil.

Chega de viver nas nuvens ou no fundo do poço.

É hora de passar o mata-borrão do céu e acabar com esta dor pungente que não haverá de doer inutilmente, mestres Aldir Blanc e João Bosco.

E que cada passo desta linha, de Ronaldinho a Neymar, seja para machucar o gol do rival, livre, azar, desta cartolagem equilibrista.

Que sufoco. Louco!


segunda-feira, 15 de abril de 2013

Lindo!


    Exageros da Rede Globo à parte e subtraindo a qualidade sofrível do time adversário, este drible desconcertante do jogador Seedorf lembrou, sim, as jogadas tão laureadas do Mané Garrincha. 
       Eu disse que lembrou, não disse que foi idêntica. Mas, de qualquer forma, uma jogada dessas coloca por terra a teoria de que o nosso Mané só a fazia porque, naquela época, os jogadores marcavam a bola e não o jogador. Pura balela. O que não existe mais, de verdade, é a celebração do futebol bonito, artístico, plástico. Hoje, tudo se resume a preparo físico e correria.
       Contudo, às vezes, aparece um Barcelona e acaba com essa teoria. Ou essa prática brochante de futebol de resultados.
        Às vezes, vem um Seedorf e eu fico pensando: porque será que o meu Flamengo não contratou ele?! Não sei, sinceramente... O que sei é que, de tão linda, mereceu a minha postagem número 500!


sábado, 13 de abril de 2013

Billie e o pêndulo




                Começo com esta música aí de cima para, vez em quando, lembrar que certas coisas já foram muito, mas muito comuns numa época recente. Negros pendurados em árvores, balançando ao bel-prazer do vento do sul, como uns pêndulos. Em árvores ou em cruzes, iluminadas pelas chamas dos homens encapuzados, clamando pela “ira de deus”, degenerados brancos e sulistas malditos; queriam a volta da sua supremacia ou da idiotice de se sentirem superiores, donos dos navios negreiros. Tempos comuns, com brisas, roupas brancas de puro linho, campos de algodão, mulheres sorrindo.
Você sabe que tem gente que, por não entender o ouroboros da história humana, o seu eterno retorno, acredita que certas mudanças são verdadeiras heresias, pois tira da ordem o que esta em voga, desintegra o que, até aquele momento, era tradicional e “imutável”. Pois bem, nada é imutável e aquilo que parecia ser o certo e comum, como o Strange Fruit da nossa Billie, cinquenta anos atrás, pode ser transformado, modificado, aniquilado. E é possível que fique muito, muito melhor depois da transformação. Pode ser que cause estranheza no início, mas tudo volta ao normal e, o que era a aberração, vira o comum, o óbvio.
 Tem umas figuraças que defendem o retorno de leis escritas há milênios. Tem gente que defende o retorno dos valores dos nossos bisavós, tem gente que quer ficar rico sem saber o porquê ou como, tem gente que se opõe a isso, tem gente que nem a gente.
Tem gente que adoraria a volta da ditadura porque essa coisa de democracia é muito complexa e fresca, pois permite a voz dos opositores e faz debruçamentos absurdos sobre esse tal de direitos humanos. Direitos humanos... Esse sofredor. Tudo é culpa dele, como se a sociedade não fosse moldada exatamente sobre o nosso cadáver e caráter. Ou a falta dele. Tem gente que diz que na ditadura não havia essa roubalheira toda. Bem, acho que não vai dar para saber... Numa ditadura a voz é silenciada, os documentos são perdidos ou selados e os roubos... Que roubos? Você que ir para o pau-de-arara, quer?
Tem gente para tudo nesse mundo – graças aos deuses! Ou a nenhum deles.
E essa voz da Billie, e essa música triste e esse vento do sul...  Corpos pendurados e pastores sendo mortos por mira telescópica. Foi em Mênfis como poderia ser na Baixada Fluminense ou Bogotá, Gaza, Soweto.
Não, nada foi conquistado por completo. É preciso luta. Dizer que só existe a raça humana é muito bonito, mas é perigoso, pois coloca a flor nas mãos de quem porta o fuzil, coloca o amor na boca de quem só vende o ódio. Um dia seremos uma só raça. Por enquanto é preciso, primeiro, que as oportunidades sejam iguais, que a partilha seja melhor. Quando um negro juiz vira assunto de revista, é porque só há brancos no recinto. Quando um homem consegue emprego porque devolveu o dinheiro de alguém, é porque precisamos parar e repensar a sociedade.
E essa Billie com essa voz... E o vento do sul balançando o pêndulo... Só faltou o conhaque pr`eu ficar todo sul, todo Billie, todo lá, todo triste!